Em 2001 a palavra crise era pouco mais do que um eco longínquo na minha memória. Ainda me lembro do Mundial de 82, em Espanha, de ouvir dizer que o desemprego em Setúbal era crónico, mas não do Argentina 78. Depois de muitos anos de ausência, qualificámo-nos para o México 86 e para CEE. Cresci num tempo de esperança, a professora de Estudos Sociais explicou-nos as vantagens da adesão, Portugal ia crescendo connosco, pintei num papelinho uma bandeira de Portugal quando o Carlos Manuel marcou o golo à Alemanha e no dia seguinte fui para a escola com aquele crachá. Éramos felizes, na cauda da Europa e do futebol, sabíamos para onde íamos, os professores Carlos Queiroz e Cavaco Silva guiavam-nos na direcção da mítica moeda única e dos gloriosos primeiros lugares, que acabámos por alcançar, anos mais tarde. Mas entretanto perdemos a felicidade.
Em 2001 a palavra crise era pouco mais do que um eco longínquo na minha memória, Portugal ia de vento em popa e isso era para sempre. Mas a partir desse ano tivemos que voltar a pô-la ao uso, e agora a crise está nas bocas do mundo. Não é no futebol, mas em todas as coisas, que se verifica serem as verdades de ontem as mentiras de amanhã. Talvez não seja assim mas ao contrário.
Na minha cronologia da crise há um antes e um depois de 2001. Não sei explicar causas nem consequências, nem relacionar acontecimentos de forma coerente, mas lembro-me de pressentir que qualquer coisa estava a ficar fora de controlo quando se começou a falar do «problema do deficit» daquela maneira. Depois veio a crise política, governos a entrar e a sair sem mais nem menos, o Santana, coitado, chegou a ir para lá, a Justiça abanava por todos os lados, desvarios de todos os géneros, atrasos, desordens e desmandos, um belo cenário para as doses corridas de escândalos e casos que vinham com cada telejornal. Muitos dos problemas económicos que agora afligem o mundo têm origem, ou foram agravados, diz-se, por certas práticas que remontam a 2001, mais coisa menos coisa. A economia da Argentina colapsou, aprendi que um país podia «falir». No dia 11 de Setembro, atentados terroristas nas cidades americanas de Nova Iorque e Washington afectaram de forma profunda todo o panorama geopolítico. O mundo não acabou em 2000 mais do que em outros anos, mas parecia estar a ficar louco.
E no entanto sinto que muito do que está em causa é a percepção das coisas, a ideia de crise, e não tanto a realidade objectiva, nem as eventuais ligações, complexas, e eu não percebo nada disso, entre fenómenos isolados. Destes, alguns são mais alhos, outros bugalhos, mas para muita gente que alimentava ilusões é a alhada geral.
Depois disto, mais cínicos, mais sábios até, podemos encarar de outra maneira a inquietante situação da Islândia. Aquela gente, tenho visto reportagens, está a passar um mau bocado. O país faliu. Tem havido alguma instabilidade política também. A boa notícia é que a mudança é a coisa mais constante que há, como vimos. Porque hão-de os islandeses estar condenados ao fracasso? Como povo não são menos capazes do que os outros, e nem sequer se podem queixar da falta de quadros qualificados. Há todas as razões para acreditar que a classe política, mais tarde ou mais cedo, acabará por colocar os recursos da nação ao serviço do povo, na senda do desenvolvimento. Há ainda muito trabalho a fazer, mas é enorme o potencial daquele que é um dos mais desconhecidos mas também um dos mais belos recantos do continente europeu. Trata-se de uma terra mágica, abençoada pela natureza. Tem uma identidade própria que, diz quem já experimentou, marca para sempre as pessoas. São as cores, as diferentes cambiantes de branco, é o cheiro forte e inconfundível daquela terra, a enxofre. E é sobretudo o sorriso doce daquelas crianças, a alegria e a vontade de viver que transparece nos seus pequenos rostos enquanto, curiosas, fitam as câmaras que logo à noite as apresentarão nos telejornais dos quatro cantos do mundo (os irlandeses, da Irlanda, também estão à rasca, mas têm um jeito para a música, amigo! E as danças? É já mesmo deles, aquilo).