Sunday, June 12, 2011

Entrevistas a pessoas da nossa terra


Filipa – Sr. Mário Murtosa…
Sr. Mário
– Mário da Murtosa.

Filipa – … diga-nos quando começou a aprender a ler.
Sr. Mário
– Ler é coisa que não sabia, assim foi o meu estado, mas faz dez anos e um bocado a minha maior alegria.

Filipa – Dez anos, portanto, é isso?
Sr. Mário – Dez anos e um bocado. Sim, é isso.

Filipa – Qual foi a primeira coisa que leu?
Sr. Mário – Camões. Não, mas já li qualquer coisa. Mas a primeira coisa foi, depois das coisas da escola, um livro sobre a guerra de África.

Filipa – Eu tenho informações de que agora está viciado na internet!
Sr. Mário – Sim, essa história é engraçada porque eu não sabia ligar um computador.

Filipa – Olhando para trás, acha que lhe fez falta?
Sr. Mário – Claro que fez.

Filipa – Mas no entanto foi tanta coisa, esteve envolvido em tantos cargos…
Sr. Mário – Não há no mundo melhores letras, do que as da necessidade, não são precisas canetas, basta a boa vontade.

Filipa – Quer falar um pouco disso?
Sr. Mário – Eu decorei sermões inteiros de missa, pagavam-mos em pão, os avisos, as novidades todas. Eu conhecia toda a gente e toda a gente me conhecia a mim. Conhecia vivos e mortos de há cem anos.

Filipa – Quem é que pagava?
Sr. Mário
– Pessoas doentes. E outras pessoas, que gostavam de mim. Nós éramos muito pobres.

Filipa – Entretanto, mais tarde começou a trabalhar na marinha mercante.
Sr. Mário – Sim, foi a minha grande escola. Mas isso foi depois da tropa. Passados sete ou oito anos já tinha dezenas de homens à minha responsabilidade, sem saber ler nem escrever.

Filipa – Como é que alguém vai daqui para trabalhar no mar? Não achou estranho?
Sr. Mário – O estranho… não. Muitos iam para mais longe. Eu não. O meu serviço foi sempre em terra. Nunca pus os pés num barco, até ao dia de hoje.

Filipa – Considera-se feliz?
Sr. Mário
– Tive muita sorte. E vontade de aprender.

Filipa – Qual é que é a mensagem que quer deixar em especial para os escuteiros, agora que se diz que poderá voltar a ser chefe?
Sr. Mário
– A mensagem de que eles são também são a menina dos meus olhos. O que é que eu hei-de dizer?

Filipa – O que responde então à polémica de que sempre a dada altura deixou os escuteiros para segundo plano, e que numa fase inicial teria chegado a «torcer o nariz» à sua implantação?
Sr. Mário
– Que é esquisito, mas para mim já nada o é. Isto são coisas que passaram à vista de toda a gente, são águas passadas que ao fim de muitos anos voltam outra vez à superfície. Mas a água nunca corre duas vezes debaixo da ponte. E se corre já não traz trutas. E eu aprendi há muito tempo esta lição: quem não quer ser criticado nunca, tem bom remédio: não faz nada de nada.

Filipa – Quer dizer que pensa mesmo dizer que os escuteiros podem contar consigo?
Sr. Mário – Ah, isso sempre.