Monday, December 29, 2008

A formiga e o lobo



Uma formiga batedora andava a explorar o areal húmido que rodeava uma poça quase seca quando se deparou com um buraco. A forma perfeita da enorme cratera levou-a a pensar tratar-se uma pegada muito recente de um animal que por ali andasse. Subiu a uma erva para avaliar melhor e logo percebeu que tinha sido um lobo o responsável.
As formigas batedoras são escolhidas pela sua capacidade de raciocínio e curiosidade, e esta não era excepção. De imediato se lançou numa grande correria, tentando alcançar o lobo que, com toda a certeza, não andaria longe. Por sorte, avistou-o pouco depois junto a uns arbustos. Parecia estar muito concentrado, observando qualquer coisa a boa distância. Tal como suspeitara, tratava-se de um velho conhecido seu. Na verdade, conhecer outros animais - e assim aprender coisas novas, contactar com diferentes maneiras de pensar ou simplesmente conviver - era muito do agrado da formiga. O preço a pagar era ser olhada com certo desdém pelas suas irmãs. Mas esta formiga sabia bem que as tarefas extenuantes e monótonas que as outras tinham de fazer as deixavamm incapazes de, ao menos, vislumbrar quanto perdem por nunca se desviarem do carreiro.
Entretanto, a formiga aproveitou a paragem do lobo para se aproximar. Começara já a chama-lo quando este partiu de cabeça baixa, num trote silencioso. A formiga bem correu, gritando «lobo, amigo!», mas as suas pequenas patas não lhe permitiriam alcançar um ouriço coxo, e a sua vozinha era quase tão fraca quanto o som de um pingo de chuva.
Não lhe restou se não subir arbusto acima para ver no que aquilo ia dar. Oh, que belo animal era o lobo! E que astuto e audaz! Primeiro aproximou-se silenciosamente da sua presa. Depois, possante, derrubou-a de um salto. Quase não precisou de correr.
A formiga deixou-se ficar numa folha, a observar. O lobo comeu tranquilamente, regressando depois pelo mesmo caminho. Quando já estava suficientemente perto, a formiga surpreendeu-o com este cumprimento:
- Olha quem é ele! Vê lá se soubeste trazer alguma coisa para os amigos…
- Não avisaste! – respondeu o lobo com um sorriso.
- Eu chamei-te, tu é que não ouviste. E eu que me contentava com uma lasquinha qualquer…
- Ah sim? – perguntou o lobo. – Não seja por isso! Tenho aqui uma entre os dentes. Tiras-ma e é toda tua. Só a aflição que me está a dar!
- Pois, isso é chato, é.
A formiga teve pena do lobo, um animal nobre e valente que se via agora atormentado por um pedacinho de carne do bicho que matara. Não deixou de se perguntar: «E se ele aproveita para me devorar também?» Mas logo concluiu: «Não o fará. Os corajosos não atacam os fracos dessa maneira. Só os cobardes o fazem». Sem saber muito bem o que fazer, e depois de um solêncio embaraçoso, acabou por lhe dizer:
- Eh, eh, o que tu queres sei eu!
- Oh, achas? Estás a brincar, não?
- Claro!
- Então vá – disse o lobo, abrindo a enorme boca junto à folha onde a formiga ainda estava.
Foi então a vez de a formiga mostrar a sua agilidade, saltando para a língua do lobo. Sentindo-a a fazer umas levíssimas cócegas, o lobo deu por si a pensar: «É tão franzina! Como pode ela achar que eu tiraria o mínimo proveito das suas poucas carnes? Uma sobremesa, talvez…»
Ainda um pouco perturbada com o que sugerira, a formiga avançava sobre aquela superfície movediça enquanto ia dizendo:
- Não, é que às vezes podias distrair-te… é só isso.


(Continua.)

Tuesday, December 23, 2008

A minha política de pescas


Os que me conhecem sabem bem que sou um apaixonado pela pesca. Grande parte dos meus amigos é constituída por pescadores. Conheci pessoas nas mais variadas situações, mas as amizades que se ganham na pesca são diferentes. São o oposto do que normalmente encontro na política, infelizmente.
Sozinho ou acompanhado, são momentos únicos os que se passa envolvidos nesta arte, desde a preparação da roupa e do equipamento até à possível mas incerta comezaina. O maior deleite da pesca não está na captura mas, muitas vezes, em tudo o resto à volta. Nunca sinto que perco tempo enquanto pesco, apesar de passar grande parte do tempo sem fazer grande coisa. E quando se apanha alguma coisa que vale a pena mostrar, sinto alegria mas também alguma pena por aquele ser vivo sofrer com o destino que lhe estava marcado na ponta do anzol.
Às vezes reflicto sobre isto e quase peço aos peixes para não picarem. Eles são criaturas magníficas. Este é um dos fascínios da actividade. Ao que julgo saber, na pré-história os homens sentiam espanto e ao mesmo tempo remorsos por tirarem a vida aos animais. Talvez seja essa a origem dos actuais vegetarianos, pacifistas, anarquistas, ecologistas, etc. Aparentemente são coisas que não estão relacionadas, mas eu penso que muitas das coisas que eles defendem são questões de todos os tempos. Todos os homens sentiram já em algum momento alguma pena pelos animais, pelos maus tratos que infligimos à Natureza, ou por o mundo ser como é. Onde nós podemos fazer a diferença é, respeitando e compreendendo esses sentimentos, que também são nossos, não ficar amarrados a visões radicais e tentar compreender a natureza.
Parece que alguns querem decretar um mundo perfeito. Mas não adianta ignorar o sofrimento que existe neste mundo, porque a sua lei é universal. E temos que aprender a viver com essa lei, fazendo que os seus impactos sejam tão pequenos quanto possível. O homem é a medida de todas as coisas, como dizia Protágoras.
É neste tipo de coisas que vou pensando quando vou à pesca, às vezes sem perceber se espero que o peixe pique ou que não pique.

Sunday, December 21, 2008

Ouvindo conversas, lendo fragmentos, observando sinais

Resolvi escrever um ‘ouvindo conversas, …’ especial, por causa de uma conjugação de factores (ou de astros), que me começaram a provocar redemoinhos dentro da cabeça numa altura em que eu queria passear de pijama no quintal, apanhar e comer ou abençoar tangerinas e sol e atirar as cascas ao desvairado Fugas ou deixá-las no chão.
Quintal ou blog? E\ou.
Uma das vizinhas que assumiu o protagonismo do último ‘ouvindo….' adoeceu, espero que sem muita gravidade . É interessante como numa comunidade pequena este tipo de coisas é sempre notícia. Para o bem ou para o mal, há uma rede global (queiram ou não, todos os habitantes da aldeia são englobados) que impede que acontecimentos desta natureza sejam ignorados. Há sempre alguma partilha, parte dela, por ventura, inconveniente.

A srª. Irene Bisgata contava-me ontem coisas da sua juventude, vivida há perto de 70 anos, “andávamos sempre juntos, aquele rancho de gente, olha o Albino João era um! Era as Carriças! As Marcialas, os Queridos, os Sapateiros, o pai daquela (…). Íamos a todo o lado, trabalhar para uns, trabalhar para outros. Olha que íamos à Sé [na sede do concelho, a 25 km] aos [umas cerimónias religiosas cujo nome não fixei] a pé, e para cá de comboio! [Pergunto porque não iam de comboio também, não havia?] Havia, só que era mais engraçado ir a pé, divertíamo-nos muito, íamos sempre a cantar, depois para cá vínhamos da estação até aqui a pé [5 km] sempre a cantar ainda, vínhamos ali para cá do Paul e já nos ouviam cá ao fundo. Quando chegávamos à casa da [?] tínhamos que cantar outra vez porque ela não nos deixava de lá sair sem ouvir a gente. A Duarta tinha uma grande voz, nunca vi para fazer segundas vozes, assim, para baixo, A senhora um dia sozinha se achava, a Deus mil louvores em silêncio dava, a gente sempre com voz própria e ela na segunda voz, uma voz boa. Depois As preces de um anjo e ela, para baixo, As preces de um anjo diz (…) alguém, tu és lá do Céu, bendita ó Maria. Quando era altura da batata lá ia aquele rancho para a batata, quando era para a sacha era tudo assim! Íamos semear o milho para este, depois para aquele, apanhar o nosso, depois o daquele… Tínhamos aí o milho para descamisar, logo de madrugada chegava o Elias… ele gostava muito de agarrar assim duas telhas e falava para os outros. Punha-as assim [em tubo, junto à boca] e começava AAQUIII NAA EIIRAAA DAAS BISGAAAATAAS HÁ AQUIII MUUUIITO MIILHOOO PARAA DESCAAMIISAAAAR!!! Passada meia hora estava aí isso cheio de pessoal, telefonavam-se assim uns para os outros”.

É curioso que ela tenha dito que se telefonavam. Não se pense que na altura não havia telefones. O info-excluído@pessoa diz que conheceu alguém que, mais ou menos por esta altura, tinha telefone. E já tinha número atribuído: o 20! Há aqui um texto que, porque não, serve de contraponto a este no que respeita aos avanços da tecnologia. Um dos comentários é do info-excluído e fala desse telefone com número de dois dígitos, na era analógica.

Friday, December 19, 2008

Lanterna mágica


Meu Amor Abre a Janela - Maria João Quadros

Thursday, December 18, 2008

Ouvindo conversas, lendo fragmentos, observando sinais


Eu, para a vizinha Maria Nazaré:
- A sua gata entrou-me em casa. Não é uma que tem um guizo?
Ela:
- Entrou? Ah p. de m. É muito atrevida. Anda-lhe aí a conhecer as divisões da casa! Ahahah. Ela não faz mal, mas é muito lascarinha. Só o mais que pode fazer é ir ficar à sua cama! Uhhuhah!
Maria Lúcia, outra vizinha:
- Olhe que ainda vai ficar à sua cama, hoje!
Eu:
- Pois.


(Maria Nazaré - quase 70 anos; Maria Lúcia - mais de 50 anos; hoje, Eiras de Sabaio)

Monday, December 15, 2008

Hoje não vi nenhuma gaja boa


Ainda me lembro de pensar, isto antigamente, quando via uma rapariga muito bonita, meu Deus, esta é daquelas que se vêem - com duplo ‘e’ - uma vez de dez em dez anos. Pensava isto muitas vezes até. Era quase todos os dias, era.
E achava este assunto muito importante. Houve uma vez um amigo que me disse que gostaria de ter, dentro do armário ou assim, uma rapariga sempre pronta a cumprir uma função: dar as bochechas a apertar, com jeitinho, quando ele sentisse necessidade. Logo ao acordar, por exemplo, ia lá afagar-lhas e pronto, estava dado o primeiro passo para começar bem o dia. E eu disse logo que a ideia era boa. Éramos muito líricos.
Naturalmente tive bastantes oportunidades de confirmar que as coisas não funcionam bem assim. Mas também ainda não descobri ao certo como funcionam. Agora o que eu sempre soube fazer foi ver. Quando vemos, imaginamos. E eu imagino quase sempre que estou a um passo de experimentar as bochechas. Normalmente não consigo, mas vou vendo no que dá. E não incomoda.
Não é preciso perceber nada de gajas para ver. É uma coisa que se basta a si própria, que não requer explicação. Não requer, não tem e não quer. Escrevem-se livros e artigos em catadupa sobre a natureza supostamente misteriosa das mulheres, sem que nenhum deles acrescente mais nenhuma conclusão além da de sempre: as mulheres são misteriosas. Os olhos já tinham percebido isso e, sempre que podem, evitam escutar as dúvidas do cérebro. Eles foram feitos para ver.
Os ‘blogs de gaja’ proliferam, mas os blogs e sites com gajas proliferam mais ainda. E nós olhamos, como não? Mas não é a mesma coisa. As bochechas daquelas sabemos nós que nunca iremos apertar, e os olhos querem ver. Não basta olhar, há que ver e imaginar a possibilidade de um futuro aperto.
Nos sites de gajas (não me refiro aos escritos por elas, mas àqueles que tornam a escrita - e outros acessórios mas não todos mas eu não sei - dispensável), e nisso as feministas têm alguma razão, acabamos por ver muito pouco. Olhamos. É como se andássemos à procura das raparigas que, em diferentes momentos, surgiram como um clarão a nossos olhos, encandeando-os e prendendo-os com a pergunta “tás a ver bem?” e nós não sabíamos, porque nunca tínhamos visto. Elas é que nos fizeram ver e perceber.
E por isso olhamos com atenção, tentando identificar alguma das ‘tais’ e sonhar com ela outra vez. Nunca encontrei nenhuma, apesar dos esforços incansáveis de quem vai carregando mais e mais raparigas naqueles catálogos. Aliás, como cada homem deve ter tido umas boas dúzias de epifanias em forma de rapariga, e como há cada vez mais homens com acesso há Internet, tem mesmo que ser assim. Felizmente que há o cuidado de colocar moças não muito feias, de maneira a não tornar a procura muito penosa. E, à falta de ver, sempre se vai olhando. Não são as que marcaram os nossos sonhos mas são, muitas vezes, substitutas muito boas. E ainda bem, porque isto de procurar fantasmas é muito aliciante mas também cansa.
Ontem deu-se-me um clique na cabeça e emergiu a frase, uma espécie de constatação espantada: “hoje (ontem) não vi nenhuma gaja boa!”. O espanto não é tanto por não ter visto nada como por perceber que não é coisa de um dia só. Esta distracção da visão, que se esquece de ver o que poderia ser distracção e regalo para a vista, já dura há um período indefinido. Será sinal de alguma coisa? Cheguei a ralar-me a sério, adivinhando já um assustador processo de degradação, comparável à perda gradual e silenciosa de um sentido. Mas talvez seja apenas falta de apanhar uns raiozinhos de sol, uns lampejos que me alumiem o caminho e aqueçam o coração.

Sunday, December 14, 2008

O nosso Vale cantado pelo dr. Luciano Carlos de Abreu

Tive ocasião, há já certo tempo, de falar aqui da figura do dr. Luciano Carlos de Abreu. Esse texto está aqui. Mas continha um erro. Felizmente que o sr. José Passos Santos, grande estudioso e interessado na cultura da nossa região, e agora nosso leitor, para além de velho amigo, me alertou para o facto.
Eu tinha referido que a naturalidade do dr. Luciano era Valinho, mas não está, de facto, correcto. Ele viveu, na verdade, desde muito jovem entre o Valinho e Romaride, mas a sua naturalidade é esta última. Lamento o sucedido e, prontamente, procedi à correcção do erro.
Como forma de compensação, deixo agora mais alguma da sua belíssima arte poética, onde fala precisamente das suas raízes. Que pena que este autor não ser mais conhecido e divulgado, sobretudo entre a juventude de todo o Vale Interior.



Oh! Que lindas colinas
Tens tu, Romaride.
São como faces meninas,
Mais suaves que a neve.


Na primavera sorri
A flor do jardim.
Assim tu, Romaride,
Rosa linda donde eu vim.


Que arrabaldes bem postos
Tem Eiras de Sabaio.
Santa Marta em Agosto,
Santo Agostinho em Maio.


Altas serras abaixai.
Quero olhar o meu Vale.
Verei o sol, seu pai,
Pintar belezas sem rival.

Thursday, December 11, 2008

Lanterna mágica

Fáj a szivem, Aranyeső, Úgy szeretem a rányimat





Não me perguntem quem são nem de onde vêm. São cidadãos do Youtube, que é currículo bastante. O que conta é a intenção, herói ou vilão.
Em época de festas estes davam baile a muitos artistas da nossa praça, e eu gostaria tanto de os ter tido a abrilhantar a boda do meu casamento!
Por acaso gostava.

Tuesday, December 9, 2008

Uma rapariga


Uma rapariga (Tânia), para fugir do mundo triste em que vive, casa e faz um filho com o seu homem. O menino ilumina todo o horizonte de felicidade na sua cabeça. Porque assim o determina a natureza, as mães fazem dos filhos a variável controlável da sua vida, ainda que tal não passe de ilusão. As raparigas fragilizadas, como Tânia, são muitas vezes as que mais anseiam por um filho.

O filho de Tânia começa a falar com um ano de idade e diz mãe. Mas com o passar do tempo a alegria dos primeiros chamamentos vai como que diminuindo. A sorte da felicidade da mãe é um peso que ele não pode suportar, e, por isso, foge para outro país. É quase um homem, já pode trabalhar. Junta-se a um grupo no café, à noite, e vêem futebol.

Metade daqueles homens conhecia alguém que morreu de acidente, nas constantes viagens de ida e volta.

Passam-se décadas até que um descendente dos que nunca mais voltaram aprenda a tocar piano. Era só o que lhe faltava e, no entanto, não é especialmente feliz. Mas não se suicida, ou coisa parecida. Dorme mal às vezes, vá.

Relatos da vida de uma professora

Enquanto se espera que comece o segundo acto da peça ‘Avaliação de Professores’, proponho que desviemos a atenção do palco por uns instantes e que olhemos para o que uns miúdos traquinas vão fazendo lá em baixo, no fosso de orquestra. Sempre ajuda a passar o tempo e, talvez, a focar melhor aquilo que realmente é importante. Digamos que são algumas declarações (feitas a quente) e alguns comportamentos singulares que fui apanhando, ao longo dos sucessivos anos lectivos. Provavelmente todos os professores poderiam preencher um caderninho com episódios destes, se se dessem ao trabalho. Deixo apenas alguns exemplos:

•• Numa turma de 3º ano, a professora (eu) pede aos alunos que transmitam aos pais determinado recado. Uma das alunas é de origem chinesa e, apesar de falar português correctamente, apresenta algumas dificuldades ao nível da semântica, devido ao facto de não falar português em casa. Dizia eu que havia um recado para transmitir aos pais. Eis a sua resposta, aflita:“Aos pais?! Eu não tenho dois pais! Tenho só um pai! E uma mãe!”

•• Na primeira aula de uma turma de primeiro ano, o primeiro aluno a falar, depois de pôr o braço no ar, faz esta pergunta:
“Professora, o que é que é uma pergunta retórica?”
(Juro! Ele era muito curioso e deve ter ouvido aquilo algures.)

•• Um aluno de 1º ano, amoroso mas um pouco instável, entra na aula de rompante e em tronco nu. Trazia a mão na anca, um olhar de ‘quem não era nada com ele’ e a camisola, vermelha, ao ombro. E vinha muito atrasado. De imediato lhe ordenei, com firmeza, que saísse, vestisse a camisola, batesse à porta e entrasse. Depois de aquela criatura magricela sair só tivemos que esperar uns instantes até ouvir bater. Mandei entrar e, para gargalhada geral, vêmo-lo passar, triunfante, e dirigir-se ao seu lugar, com uma camisola azul vestida. Onde a foi buscar e o que fez à outra não faço ideia.

•• No corredor, duas miúdas do 1º ano, abraçadas e sorridentes, dirigem-se a mim nestes termos:
“Nós somos namoradas! Somos gays!”

A propósito da greve, deixem-me só dizer, fiz sim senhor. Mas tive muitas dúvidas. Este processo foi muito mal conduzido por todas as partes. Houve uma verdadeira dramatização de todo o caso (e vamos para o 2º acto). A ministra quis obter poder negocial conquistando a opinião pública. Eu em parte compreendo-a (e ouço muitas críticas por causa disso), atendendo à dificuldade em fazer mudanças profundas no sistema. É que eu ouço muitas bocas dizerem ‘sou a favor da avaliação, mas contra este modelo’, mas vejo alguns olhos, e oxalá eu me engane, dizendo o contrário. De qualquer modo, a ministra insistiu por demasiado tempo com o formato, que é de facto muito pesado. Mas eu defendo uma avaliação que distinga verdadeiramente o desempenho de cada um, e estou preparada para aceitar alguma carga adicional de trabalho que ela acarrete. Felizmente, bem o sei, estou longe de ser caso único.

Monday, December 8, 2008

De quanto vimos

A internet é um ser vivo, cheio de pensamentos, de sentimentos altos e baixos instintos. E cada um de nós, fazedores de sites e blogs, é uma célula. Somos células nervosas, andamos para aqui a comunicar com outras células, a enviar e receber alimento, a estabelecer ligações e a tentar roubar os nutrientes umas às outras. É assim mesmo, complexo, tanto competimos por comida como a partilhamos.
De tudo quanto tem chegado às células adiposas que se acomodam neste blog (que me desculpem as meninas), muita coisa saborosa poderia ser dada a provar. Mas há dois posts que destacamos, por razões diferentes mas que vêm a ser a mesma: têm a ver connosco. Logo nos primeiros posts deste blog tive ocasião de dizer que o que nos unia era sermos, de uma forma ou de outra, filhos do Vale Interior (e do próprio 'interior') e da info-exclusão.
As razões - que são só uma - são diferentes, e os textos também. O primeiro é ligeiro e engraçado, e se não tem, na mente da autora, directamente a ver com info-exclusão, para nós, assumidos info-excluídos (com melhoras), a relação é óbvia. Bem como a identificação com as situações descritas. O nosso conceito de info-exclusão é um bocado abrangente. Para terem uma ideia, eu julgo que a partir do momento em que os televisores começaram a ter um comando à distância, por exemplo, o mundo (exterior) nunca mais foi o mesmo. Não foi isso o início de nada, porque se trata de um processo, mas é um marco de uma tendência que se pode resumir nesta ideia: com um gasto mínimo de calorias podemos percorrer o mundo desde os desenhos animados americanos até à Rússia de Carlos Fino. Só que era preciso saber sintonizar a televisão, coisa simples até então. Assim, só no interior, onde não são pedidas tantas competências tecnológicas para usufruir da cidadania, nos sentimos menos excluídos. Mas não se pense que não reconhecemos a importância da internet, e todas essas coisas. Aliás, estamos a adorar a experiência de ter um blog. O problema, para além de um certo endeusamento parolo de todas estas alfaias, está no facto de as coisas não funcionarem da maneira que nós queremos. E isso irrita. E faz-nos andar sempre a correr atrás dos técnicos, técnicos esses, ou outros, que concebem as coisas prenhas de toda a espécie de complicações, para depois nos virem desenrrascar quando estamos aflitos, os porreiros. Bom.
Tive dúvidas quanto à colocação do link do segundo post. Devo admitir que, ao fazê-lo, tenho um pouco aquela sensação de estar a brincar com coisas sérias. É certo que nós vamos falando, à nossa maneira, de problemas como os que afectam o interior (ou essa era a ideia), entre outros, mas a tónica deste blog tem ficado a dever mais à análise de mesa de café e à galhofa do que à reflexão séria, atenta e oportuna, como a que está na base do texto de que falo. Seja como for, a preocupação genuína (e séria, também) quanto aos problemas nele tratados - que não têm só, nem sobretudo, a ver com o interior - são partihados por todos os que contribuem para este blog.
Cá vai:

Saturday, December 6, 2008

El chino torero




A cena tauromáquica alternativa está cada vez mais ao rubro. Encontrei este cartaz numa airosa, distinta e, de seu natural, mui serena localidade, algures na região do Vale Interior. Há um toureiro chinês e forcados anões!


Mas não sei se me deixo seduzir. Falta ali qualquer coisa mesmo 'fora'. Talvez um touro com duas cabeças (e um cavalo sem nenhuma), um cavaleiro transexual que cantasse e fizesse contorcionismo, uma pega pelo Grupo de Patinadoras no Gelo da Chamusca, mas com os respectivos patins, para dar uma hipótese ao touro. Se tivessem falado comigo poderiam ter feito qualquer coisa que valesse a pena, quase ao nível dos eventos TVI.

Wednesday, December 3, 2008

Lanterna mágica

The Mystery Of Bulgarian Voices & Music - Tragnala e malka Moma

Monday, December 1, 2008

Primeiras neves


Na salinha onde escrevo este texto faz um frio que não se pode. Estou na nossa Eiras de Sabaio, neste fim-de-semana pródigo: um dia de bónus e muita neve. Vim para aqui porque é o único local da casa onde tenho Internet instalada. Ainda estou a pensar se valerá ou não a pena procurar uma ficha tripla e mudar-me para a sala, onde há uma lareira, uma televisão e (apenas) uma tomada (a casa é muito antiga). Não teria Internet, mas gravava o texto no Word. Mesmo durante o dia, esta divisão é gélida, no Inverno. Já comprei um sistema wireless, mas não o sei instalar. Preciso de chamar cá um técnico.
Acontece que andei todo o dia com a expectativa de poder ‘postar’ qualquer coisa sobre o cenário belíssimo em que se transformou a nossa região, com a neve abundante que tem caído. Acertámos em cheio na data que escolhemos para visitar a terrinha. Está tudo branquinho, está. O Vale Interior, para desgosto da minha filha, acaba por ser a zona onde o nevão foi mais brando. Mas tirámos o dia de hoje para passear por esses cumes e encostas, ao som de uns vilancicos renascentistas que me emprestou o Camelo. Tudo, cada árvore, cada arbusto, casa ou lenha, está coberto de branco. As pessoas dizem que é pão, porque quando o gelo começar a derreter nenhuma água se perde; em vez disso, toda ela será absorvida pela terra, lentamente. Mas é uma pena que não se possam preservar alguns destes postais. Uma rocha que não perdesse aquela côdea de creme, como eu referi às tantas, por exemplo. A minha filha também se saiu com uma de um fontanário que parecia um bolo de noiva... Enfim, o espectáculo da neve encanta miúdos e graúdos, faz parte do nosso imaginário.
Tive vontade de tirar umas fotos, coisa que raramente me acontece, mas máquina não uso, e o telemóvel é o mais simples possível, como deve ser o de qualquer bom info-excluído. Daí, talvez, ter sentido necessidade de vir aqui escrever alguma coisa. Escrever que é magnífico quando o sol faz brilhar a neve, nós saímos do carro numa aldeia quase toda branca num momento assim, só as pessoas e o granito ainda à mostra nas paredes tinham outras cores. Não fizemos muito mais, mas respirámos profundamente um ar frio e bom, rimos às baforadas, catrapiscámos a luz e o branco e jogámos à apanhada e às bolas de neve, tudo misturado.
É-me grato mas difícil escrever isto, porque o frio que sinto agora, ao contrário do que senti durante o passeio, está a incomodar-me. E essa ideia, a de um frio que pode ser ora cruel ora revigorante e alegre, é um incómodo acrescido. Já fui buscar umas luvas, mas descobri uma coisa maldita: o rato do portátil, aquele rectângulo sensível ao toque dos dedos, não obedece ao tecido da luva. Nem se mexe. É uma frustração, tanto mais que não é possível tirar um dedo que seja da luva. E um dedo era só o que eu pedia. "Tudo ou nada", é o que as luvas dizem às minhas mãos, que vão fazendo turnos.
E é ainda mais frustrante do que isso, porque eu até tenho um rato 'dos outros', mas nunca o liguei, por preguiça e por info-exclusãosice. Entretanto (duas ou três linhas atrás, e numa altura em que já andava a experimentar usar a ponta do nariz - sabem lá o frio que faz aqui!) a minha mulher pediu-me para ir buscar lenha (para a fogueira, onde elas se aquecem), e acabei por molhar um pouco as luvas, ao atravessar um pátio. O que me levou à descoberta triunfal de que o rato se deixa manipular se as luvas estiverem ligeiramente húmidas. Se lhe faz mal à saúde ou não, não sei, mas agora quero é acabar o texto. Fico feliz, para além do mais, por me dar conta que não é impossível que um fortuito info-excluído que leia estas linhas possa, também, usufruir desta técnica revolucionária.
Por fim, com as mãos mais protegidas, ainda me dei ao luxo, depois de (supostamente) ter terminado este escrito, de navegar um pouco por outras páginas. Não resisti (e é por isso que não está a escrita feita ainda) a contar que, a páginas tantas, dei por mim, distraído, a humedecer a ponta do dedo (da luva) para poder usar o rato, tal como alguém que lê um livro faria para - lá está - mudar a página. Senti-me um pouco menos info-excluído e quase pronto para, a partir desta imagem tão simbólica e tão plena de significado, fazer outro texto, ainda mais repleto de reflexões mais profundas do que aquelas que aqui ficaram expressas.
Mesmo tendo em conta que bastaria dizer: que bonita é a neve.