Sunday, February 22, 2009

O Rato Mickey


O Rato Mickey
Tive ocasião de ler num jornal regional um interessantíssimo texto sobre a mais célebre criação de Walt Disney, que fez 90 anos em Novembro último. Chamou-me a atenção a reflexão sobre a mensagem que personagens de animação aparentemente tão inofensivos podem passar aos mais novos, e não só, que o pequeno roedor de luvas brancas e calções vermelhos encontra muitos admiradores entre gente graúda também. E isto apesar de se encontrarem, no rico alfobre da nossa cultura e tradições, incontáveis exemplos de distracções muito mais saudáveis e educativas.
Mas analisemos o que está em causa. Aprofundando um pouco, o conteúdo dos filmes do famoso Rato são imorais e não se escandalizem, ou não o façam sem antes me ler o texto.
Os ratos são animais sem nobreza nenhuma, sujos e repelentes até, que transmitem doenças e que não gostamos nada de ver em nossas casas. Era por isso que antigamente toda a casa que se quisesse a salvo de tal companhia procurava ter um gato, seu inimigo figadal. Ora, o que acontece nos filmes onde entra o Rato Mickey? A verdade é que este, que por ser rato devia ser o mau da fita, leva sempre a melhor sobre o gato com quem trabalha. Nas aventuras que vivem em conjunto, o gato sai sempre vencido e humilhado pela astúcia do rato, que se fica a rir. Esta mensagem, a do mal que vence o bem e ainda é louvado e aplaudido, não pode deixar de penetrar nas mentes dos jovens espectadores, incapazes de avaliar a situação por si próprios e de se distanciarem da mais subtil das perversidades. Ainda assim, e dando o devido desconto, os filmes distraem e são inofensivos, comparados com os filmes actuais, sorvidos em doses assustadoras pelas crianças de agora.
Nestes, impera a violência, as figuras monstruosas, as histórias infernais e a música atordoante. E, para cúmulo, muitos dos filmes de animação actuais são pornográficos e vão amolecendo o critério das crianças, que passam a achar tudo “aquilo” natural.


Mais uma obra sobre a região do Vale Interior

Acaba de sair um livro precioso sobre grande parte do nosso melhor património, desde as Igrejas de Eiras de Sabaio e Valinhos, até ao convento de Santa Ana, entre muitos outros exemplos.
Trata-se de um estudo rigoroso, sem se tornar demasiado “pesado” ou académico, servido por excelentes textos e fotos, os primeiros da lavra do dr. Maciel Carvalho e as segundas a cargo de Ana de Vasconcelos, intitulado “ Vale Interior pedra a pedra”
A apresentação decorreu no Casa Municipal da Cultura, registando-se o assessor da Cultura da edilidade.

Monday, February 16, 2009

Jogos de azar

À sexta-feira feira vêem-se por todo o lado. Pessoas que se juntam à tardinha, e tiveram a semana toda, com o boletim do euromilhões na mão, as mesmas que de novo se juntarão, no último dia do prazo, para entregar a declaração do IRS. Que gente é esta, nós? A gente não sabe. Enquanto prolonga uma fila tristonha, vai pesando o dia de trabalho, as canseiras da semana e de toda uma vida suspensa na miragem do Jackpot que nunca calha à gente, que para todos os azares foi nascida, ou lá virá o dia, e se vier é justiça que se faz a uma vida tão malfadada. A fé no milagre, é desta que a gente acerta, é que a vai amparando, para não dizer resgatando, para quê ralar-se com a indiferença do sorteio face a estes anseios, que temos por justos e que aos números sorteados, e aos outros, parecerão futilidades, enfim, por que razão há-de a gente tentar perceber a gente mesma? Não nos calha.

Gosto de pensar que boa parte dos portugueses que se tornam euromilionários de um dia para o outro - o que nos acontecerá a todos no prazo de umas dez milhões de semanas, a continuar a este ritmo – se empanturram de excentricidades. O anúncio deu o mote, e bem, haja quem gaste dinheiro às pazadas, se é para continuar com a história do desgraçadinho (ai agora o que é que eu faço com tanto dinheiro, ainda mo roubam, vou continuar a comprar nas lojas dos chineses para não levantar ondas, e depois faço umas obras na casa de banho) não valeu de nada, mais valia continuar encostado à parede, com o boletim na mão, na fila do café. Ao menos nessa altura podia a malta sonhar com o euromilhões.

Eu cá, por essas e por outras, só jogo nos melões. Faço palpites, estudo-os e aposto. E a verdade é que frequentemente perco o dinheiro, porque é difícil acertar num bom melão. Jogar nos melões é mais adequado para quem não está preparado para ver a sua conta inchar subitamente como a de um oligarca russo nos anos noventa. Nenhum português está, tirando alguns que não se pode dizer. Apesar do nosso instinto e do nosso desembaraço, nunca saberemos ser oligarcas nem russos, só eles sabem como se faz. Nós desenrascamo-nos bem, mas precisamos de estar na miséria, ou, quando muito, assim-assim, para nos podermos queixar: “estou à rasca, pá”.

É bom que o país continue a apostar no euromilhões, desde que seja para acabar com tanto queixume. E os resultados estão à vista: nós somos os campeões do euro. Estamos sempre a limpar os prémios, entre tantos países concorrentes. Estou a falar do euromilhões, porque o futebol é outra fruta. A bola é redonda, o melão é que tem aquele formato da cara que fazemos quando descobrimos que o prémio saiu a outro marmelo qualquer, por acaso, ou talvez não, também português.

Devemos ser o povo mais sortudo com os indivíduos mais azarados da Europa. É ou não é de ficar com um grande melão? Calha-nos sempre, mas nunca à gente. Para o bem e para o mal, somos os derradeiros euromelões.

Saturday, February 7, 2009

A formiga e o lobo

(completa)

Uma formiga batedora andava a explorar o areal húmido que rodeava uma poça quase seca quando se deparou com um buraco. A forma perfeita da enorme cratera levou-a a pensar tratar-se uma pegada muito recente de um animal que por ali andasse. Subiu a uma erva para avaliar melhor e logo percebeu que tinha sido um lobo o responsável.
As formigas batedoras são escolhidas pela sua capacidade de raciocínio e curiosidade, e esta não era excepção. De imediato se lançou numa grande correria, tentando alcançar o lobo que, com toda a certeza, não andaria longe. Por sorte, avistou-o pouco depois junto a uns arbustos. Parecia estar muito concentrado, observando qualquer coisa a boa distância. Tal como suspeitara, tratava-se de um velho conhecido seu. Na verdade, conhecer outros animais - e assim aprender coisas novas, contactar com diferentes maneiras de pensar ou simplesmente conviver - era muito do agrado da formiga. O preço a pagar era ser olhada com certo desdém pelas suas irmãs. Mas esta formiga sabia bem que as tarefas extenuantes e monótonas que as outras tinham de fazer as deixavam incapazes de, ao menos, vislumbrar quanto perdem por nunca se desviarem do carreiro.
Entretanto, a formiga aproveitou a paragem do lobo para se aproximar. Começara já a chama-lo quando este partiu de cabeça baixa, num trote silencioso. A formiga bem correu, gritando «lobo, amigo!», mas as suas pequenas patas não lhe permitiriam alcançar um ouriço coxo, e a sua vozinha era quase tão fraca quanto o som de um pingo de chuva.
Não lhe restou se não subir arbusto acima para ver no que aquilo ia dar. Oh, que belo animal era o lobo! E que astuto e audaz! Primeiro aproximou-se silenciosamente da sua presa. Depois, possante, derrubou-a de um salto. Quase não precisou de correr.
A formiga deixou-se ficar numa folha, a observar. O lobo comeu tranquilamente, regressando depois pelo mesmo caminho. Quando já estava suficientemente perto, a formiga surpreendeu-o com este cumprimento:
- Olha quem é ele! Vê lá se soubeste trazer alguma coisa para os amigos…
- Não avisaste! – respondeu o lobo com um sorriso.
- Eu chamei-te, tu é que não ouviste. E eu que me contentava com uma lasquinha qualquer…
- Ah sim? – perguntou o lobo. – Não seja por isso! Tenho aqui uma entre os dentes. Tiras-ma e é toda tua. Só a aflição que me está a dar!
- Pois, isso é chato, é.
A formiga teve pena do lobo, um animal nobre e valente que se via agora atormentado por um pedacinho de carne do bicho que matara. Não deixou de se perguntar: «E se ele aproveita para me devorar também?» Mas logo concluiu: «Não o fará. Os corajosos não atacam os fracos dessa maneira. Só os cobardes o fazem». Sem saber muito bem o que fazer, e depois de um silêncio embaraçoso, acabou por lhe dizer:
- Eh, eh, o que tu queres sei eu!
- Oh, achas? Estás a brincar, não?
- Claro!
- Então vá – disse o lobo, abrindo a enorme boca junto à folha onde a formiga ainda estava.
Foi então a vez de a formiga mostrar a sua agilidade, saltando para a língua do lobo. Sentindo-a a fazer umas levíssimas cócegas, o lobo deu por si a pensar: «É tão franzina! Como pode ela achar que eu tiraria o mínimo proveito das suas poucas carnes? Uma sobremesa, talvez….»
Ainda um pouco perturbada com o que sugerira, a formiga avançava sobre aquela superfície movediça enquanto ia dizendo:
- Não, é que às vezes podias distrair-te… é só isso.

Esta resposta deixou o lobo pensativo por alguns instantes, mas logo se resolveu por incentivar a pequena batedora:
- É mesmo isso, aí.
A formiga estava a fazer o melhor que conseguia, tentando concentrar-se no trabalho e não nos seus receios. Procurava até que o lobo percebesse isso mesmo, e no entanto… não se coibia de segregar tanto ácido fórmico quanto conseguia. Afinal, sempre era bom que os animais grandes e poderosos, como os lobos, soubessem que aqueles que julgam fracos nem sempre se deixam engolir sem amargos de boca nem azias de estômago. Seria caso para pensar que era a honra das formigas que estava em causa, mas a verdade é que a formiga não se permitia perder muito tempo com tais conjecturas. E então respondeu-lhe:
- Pois é isto, amigo, mas é complicado. É preciso é calma.
- Sim.
- Desculpa lá estar a usar as pinças desta maneira, mas é só mais um bocadinho. Dói-te?
Toda esta azáfama parecia divertir o lobo, que pensava: «Está a fazer-se picante! Será que pensa que é isso que me impede?»
- E que doesse! O que arde cura, hihihi!
- …
- É ou não é?
- Olha, amigo, lá isso é verdade. Lá isso é verdade, é.
Como se de um gesto súbito e involuntário se tratasse, o ácido deixou de fluir. Cada vez mais divertido, o lobo ria com despudor. Quanto mais se tentava conter, mais sonoras eram as gargalhadas, colocando a formiga em sério risco de ser engolida inadvertidamente. Esta, desesperada por se livrar daquele perigo mortal, deixou de remexer com as pinças e imobilizou-se completamente. Depois, como se quisesse provar a si própria e ao lobo que não estava assustada, resolveu usar as patas para corresponder, com umas cócegas em plena língua, àquele riso tão desconcertante.
Fosse das cócegas ou fosse de adivinhar o desespero que as motivou, a verdade é que as gargalhadas do lobo passaram de incontidas a caso perdido e descontrolado. E em muito boa hora para a formiga, que assim se viu expelida com violência, entre risadas.
Enquanto um e outro se recompunham, dirige-se a formiga ao lobo nestes termos:
- Agora ia correndo mal, ou quê?
- …pois, nem por isso. Isto está tudo controlado!
- Ah, isso tem que ser. Vá lá, vá lá.
- E obrigado.
- Sempre saiu a carne?
- Olha, está aqui. Queres? Se queres vê lá!
- Não, vou andando.
- É?
- Vou. Xau.
- Então vá. Quando vieres para estes lados vê lá se dizes alguma coisa.
-Sempre.
-…
-...
- Olha, a sério, desculpa lá estar-me a rir e não sei quê, está bom?

Monday, February 2, 2009