Sunday, April 25, 2010

Lanterna mágica





                                                        

Thursday, April 15, 2010

Decidi receber cá o compasso na Páscoa

Decidi receber cá o compasso na Páscoa, que teve lugar no Domingo seguinte, que foi o último, mas o problema da Páscoa já sabemos que passa pela aterradora inexistência quer de presentes, muito ao contrário do que se verifica por exemplo no café adjunto à praia fluvial, que é muito chique e dá um pequeno chocolate embrulhado adjuntamente ao café, quer de striptease. Que é o que eu faço de cabeça à rapariga que lá trabalha, e ela nem sequer se importa, quando me traz o café. O padre podia ao menos ser bonito, mas para padre não está mal. E é já um bocado velho. Apetece tirar-lhe o vestido para ver o que é que traz lá por baixo com este calor, num jogo de sedução, também. Sim, já enjoa tanto alvoroço com padres metidos, portanto, não. À rapariga.
Que ela é bonita como a Primavera que está nesta altura muito contente, já fala com a gente. É esta alegria, a Páscoa, as sombras bem desenhadas pelo sol da manhã e um padre com um vestido às flores de casa em casa e tudo o mais, as pessoas cantando por dentro para o meio-dia.
Sou uma teologia de cima a baixo, já, não é nada de mais, é a ciência que toda a gente pratica quando a cabeça esquece as tarefas do escritório da Suiça e se perde desdenhando das leis da gravidade, tal como as conhecemos, à velocidade da luz. Vou então a questões técnicas, eu avisei quando começámos que depois não sei o que é que hei-de escrever num blog, bom, (num blog! é muito deprimente!), porque é que o padre anda de casa em casa? Para receber dinheiro e conviver um pouco, e eu pensva que era só para conviver um pouco. Diria que na Páscoa tudo é móvel, desde o padre, passando pelos afilhados que por cá têm o hábito de percorrer as casas de padrinhos, etc. e tal, por Jesus Cristo, que neste dia saiu do túmulo e é por isso que se celebra a Páscoa, não é nada por causa da rapariga do café nem da Primavera (se for agora vai dar ao mesmo), também há metade dos espanhóis que nos visitam de automóvel, e acabando na própria Páscoa, que no calendário é móvel (e havia móveis para limpar a óleo de cedro, na sala do sr. prior, em casa da minha avó). Porque é que o vestido dos padres é às flores? Trata-se de óbvia camuflagem para um cenário todo florido nesta época do ano. Camuflagem, isto é… dir-se-ia que assim se vê como a Igreja é una com a obra do Criador. E já agora troca-se um pouco as vistas a Satã.
Mas falava em dinheiro. O caso foi este: lá me entraram em casa, estando eu devidamente prevenido de acepipes e quatro espécies de vinho bom. Na minha inocência de menino da cidade que quer participar nas coisas giras do povo não estava no entanto a contar que esperavam que desse um folar ao padre, que podem ser uns cinquenta euros, talvez, depende do que se queira dar. É mais uma forma de pagar os serviços que ele presta ao longo do ano. Entretanto, foram ali uns momentos de bom convívio, que era o que eu pensava que era para ser. Acho até que esteve aquela santa comitiva a fazer um pouco de tempo, a ver se eu afinal me resolvia a chegar à frente com os tremoços. Logo na altura pressenti de passagem que podia faltar qualquer coisa, mas a conversa estava boa e como às tantas era só eu que bebia, pois diziam eles que ainda lhes faltava muitas casas, nada me preocupava grande coisa. Então saíram e um dos acompanhantes, um camarada mais das minhas relações, é que se deixou discretamente ficar um pouco para trás, e, com visível condescendência, me esteve a pôr a par dos ajustes destas usanças. Parece-me bem, e parece-me óbvio, agora. Eu é que sou tão ignorante que só sei pedir cafés à rapariga e comer o chocolate.

(Quero dizer às pessoas de Eiras de Sabaio que de facto não recebi a visita do sr. padre Ventura, mas que este texto me surgiu de uma real espécie de simulação mental que fiz acerca do que seriam os resultados prováveis ou possíveis se na verdade ela tivesse acontecido, e depois de de facto também ter chegado a falar com algumas pessoas, meio intrigado e meio interessado em participar de alguma maneira nesta tradição que acho bonita, e em prestar a minha homenagem, e é isso que faço, à minha maneira que só assim é que sei, já sei que muitos não vão gostar, como eu também não gosto de outras coisas que, quando não me matam, curam-me mais um bocadinho).

Wednesday, April 7, 2010

A seda entre nós -II


              Em texto aqui publicado a 12 de Outubro do ano passado, já tive oportunidade de poder dar alguma conta neste espaço da nossa relação histórica com toda a indústria da seda. É uma história incrustada na nossa alma quer para o bem, quer também para o mal, como já sabemos e veremos, que nem só de páginas gloriosas se fez.
              Distintíssimo material, já no século XVI vestir ou não sedas era um dos atributos que distinguiam socialmente as pessoas, à semelhança por exemplo do porte de espada. Chegaram a ser criadas leis próprias sobre o seu uso, como a «ley sobre os vestidos de seda & feitios delles e das pessoas que os podem trazer», de 1570, e surgiram costumes, como o privilégio de que gozavam os cidadãos do Porto, livres de poder vestir sedas, independentemente da sua pertença social.
              Sabe-se que nem tudo o que luz é ouro, e que a alma é mais do que a comida e o corpo mais do que o vestido, mas o mais dos homens sempre buscou o conforto para sua alma e o seu corpo na boa comida e no bom vestido, e se às vezes a elevação destas coisas está em acordo com o carácter, o merecimento e a dignidade de cada um, também vemos quantas vezes quanto mais sombras na alma e degradação no corpo, maior é o brilho em guarnições e atavios a que se deita a mão. Que tal brilho possa, quando naturalmente apresentado, ser admirado na sua conta, não no-lo neguemos, porém cuidando que não fiquem os nossos olhos ofuscados, e como que cegos, às intenções daqueles que o usam apenas e só como penhor daquela nobreza que precisamente lhes falta. Isto era verdade noutros tempos, e mais que nunca é nos que vão correndo.
              À conta do fascínio que vem de nós, os seres humanos, pelos artigos de valia superior, muito engenho humano também durante séculos se foi solicitando, muitas histórias correram, dignas de romance, muitas lutas houveram, batalhas se travaram. A propósito da seda, que é pela comparação com a sua pureza que vou tentando acusar o que em nós está em sentido contrário, é conhecido que a tecnologia para respectiva produção era segredo de estado na antiga China, e que foram uns monges cristãos que trouxeram as primeiros ovos do bicho-da-seda para o Ocidente na parte oca das suas bengalas de bambu. Antes de estes conhecimentos se espalharem pela Europa, mercadores e aventureiros percorriam as remotas rotas da seda por essa Ásia dentro, ou então desafiavam os oceanos, rumo ao oriente para se abastecerem do produto fabricado. Como nós, portugueses, que nisso fomos os primeiros, mesmo estando registado que as primeiras sementes do bicho-da-seda chegaram à Península por volta do século VIII, introduzidas pelos árabes. Há também foral de D. Sancho II de Portugal respeitante às amoreiras de que se alimenta o bicho-da-seda, e à necessidade de impedir o seu plantio sem controle.
              É caso para ponderação o tanto que se labutou para que tivéssemos em mãos portuguesas o conhecimento das técnicas necessárias à sua produção no nosso território português, e o tão grande desgoverno que depois houve à volta de toda a actividade serícola, por incapacidade, por falta de visão, a que se juntam algumas moléstias naturais que persistentemente traziam grandes prejuízos aos produtores. É certo que n’ A Terra Portugueza, de Rocha Peixoto, se pode ler que por volta de 1679 se publicou entre nós «um pequeno tratado sobre a creação do lepidóptero; e do paiz que, com a Hespanha, produzia e manufacturava sedas quando no resto da Europa mal se sabia ainda a arte, começaram a conhecer-se os seus magnificos velludos, setins e gorgorões e a serem procuradas as nossas télas, organsis e tafetás, os quaes, não rivalisando com os dos Kalifados de Granada e Córdova, eram todavia executados com primôr». Mas a cobiça e a vaidade tomam-se dos homens sem que disso sequer se dêem por tidos nem por achados, como temos visto, e impedem-nos de dar passos firmes adiante, especialmente quando o mando não ajuda. Na sua maior parte, para os indivíduos sempre foi demasiado sedutor o «negócio da China», e assim pouco ou nada se vem a querer com a boa diligência, com o emprego da mente e do corpo ao trabalho persistente, e com a dedicação ao bom governo das coisas. Não são apenas males de hoje, o desperdício de energias na busca de um qualquer expediente mal esmoído que promete fortuna ao primeiro bater de palmas. Mas a indústria serica, que assim chegou a chamar-se, não consente em tal desmazelo. Citarei ainda Rosa Peixoto a este propósito, que, falando de facto da seda bem poderia vir falar no mesmo modo de muitas outras coisas actuais, coloca bem a questão nestes termos: «E entre nós, ou desprevenidos ou ignorantes, ora ineptos ora desconfiados, nem os decretos e fábricas-modelos, nem o furor desvairado dos lucros valeram à indústria que se antolhou moribunda, falta de preceitos, falta de exemplo, falta de discreta previdência».