Tuesday, April 28, 2009

Batida beirã


Num fim-de-semana destinado ao descanso, levantar às sete e meia não está mau! A concentração, para a batida ao javali, está marcada para as oito, na Associação de Caçadores de Romaride. O Toino Princês vai ser o meu companheiro de porta, que é o sítio destinado a cada caçador. Ele é que caça, a bem dizer, eu só vou ver a bola.

Concentrados os caçadores, começa a algazarra. Há umas instruções, há o sorteio das portas, mas ninguém se concentra verdadeiramente em nada senão em conversa, entremeada com pão e malgas de vinho para quem quer. Só às dez e meia vamos para as portas.

O Princês acha que a nossa porta não é das melhores, mas só mo disse a mim, pelo caminho. Não quis estar a queixar-se durante o sorteio, como alguns, que culparam logo o azar por, na volta, poderem vir de mãos a abanar. Com uma porta enguiçada vive a gente bem! Quem conhece o Toino Princês sabe que é quase impossível ouvi-lo resmungar seja pelo que for, para mais em dia de caça. Se alguma coisa estava menos a seu jeito era não poder ficar a tratar do almoço, ainda se os javalis viessem ao encontro dos tachos, com a espingarda numa mão e a colher de pau na outra, era homem!

Bom. Ou isso ou já não é pouca a sorte se algum animal lhe vier desafiar a pontaria no sossego do posto de caça. Nem precisa de se apressar, que o lugar convida e estamos já postos em sossego também, assentando o que resta das ideias que fomos chamando à conversa no caminho para cá. Devo ser mais dado à morte da bezerra do que à de javalis, porque não me fixei verdadeiramente em nada da paisagem que nos envolvia senão quando a bicharada resolveu acrescentar-lhe o devido som de fundo, anunciando desta maneira que nos perdera o respeito e seguiria com a sua vida. E eu recostei-me como deve ser numa árvore e olhei.

Tanto que passado algum tempo deixei de esperar por qulaquer outra notícia. Só os cães, que já batiam os vales, conseguiam por vezes fazer-se ouvir acima da cegarrega geral instalada. Se não surgisse javardo até ao soar da corneta acabaria por amaldiçoar a hora em que metera pés ao caminho, tão aborrecidos podem ser os arbustos e o pouco mais que havia, depois de devidamente apreciados os cheiros, ervas e flores.

O Princês fazia-me gestos, apontava para ali e para acolá, como se me perguntasse “viste?” ou “ouviste?”, e eu acenava “aaah! sim, sim!” sem perceber se ele se referia a algum som, vislumbre ou cheiro de porco ou se me estava a tentar mostrar outra coisa. Por exemplo, algum dos pássaros de que me falara durante a tirada, como o melro, de que diz apanhar quantos quer. Até me ensinou meia dúzias de técnicas.

Mas a verdade é que eu não distingo o melro da cotovia. O que distinguia, entre os gestos apurados do velho Toino Princês, eram dois olhos em silencioso deslumbramento, como de quem não sabe muito bem se realmente pode estar ali, a viver o momento, e vai sorrindo com malícia e vergonha. Os mesmos que desde há mais de cinquenta anos estas terras vêem chegar-se à culatra, um aberto e outro fechado, alinhando a outra ponta com quase tudo o que nelas corra ou voe. “Cada vez gosto mais!”, diz-me. Nem a porta azarada consegue beliscar-lhe o gosto.

Com o passar das horas fomos ouvindo alguns disparos dispersos, mas a arma do Princês nunca foi chamada a prestar contas. A meio da tarde a caçada estava terminada e nós regressámos à base, onde nos concentrámos em novo e mais nutrido convívio com os demais. Desta parte da festa já eu sabia que tudo quanto viesse era ganho.

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