Thursday, August 12, 2010

União Europeia, alegações à roda


A ideia de que se há-de construir a Europa, mesmo no que tenha de mito forçado, serve para divertir os desejos de poder por via imperial, alegadamente substituídos pelos encantos de um amor fraternal idealizado. Se esta ideia, usada assim para descrever uma impressão, fizer algum sentido e se for isto verdade, não há aqui nada de extraordinário nem de original, enquanto ideia geral para tudo. Logo, à natureza: depois de sempre, busca-se outra vez e outra vez a ilusão da inocência primitiva da criação, alheia à dor e luta entre as bestas bravas e as mansas. A fraternidade entre as nações também está sempre prevista nesse plano elevado, que um pedestre como eu também sonhava e sonho vagamente. Talvez a Europa seja a mais ousada, ou a mais ingénua, na sua construção de legos.
Mas é aborrecido construir sonhos, é melhor sonhá-los. As pessoas, dando-lhes bem a volta, entregar-se-ão com mais entusiasmo à guerra, outra vez: está sempre tão perto a tentação e o impulso para a destruição - dos sonhos dos outros – como em nós a tentação para a dissolução nos nossos. Por receio daquela tentação destrutiva mas nos ditos outros, e por pudor de cada não-outro em admitir a sua, os mesmos e os outros, em conjunto, que são todos, podem ver mais benefício a dado momento histórico em substituí-la por uma trégua ritualista (ritualizada). Daí a União Europeia, e daí ela ser assim, uma obrigação aborrecida.
Uma chatice. Claro que os dirigentes políticos europeus têm a missão concreta de tentar construir a grande ilusão e nisso se sentem autores do real: é a autoridade da realidade europeia o seu poder, mesmo que ela seja uma ilusão; e de resto, se tem de haver alguma, sempre há outras bem piores. Em todo o caso, quem tem poder não se aborrece tanto. Mas os liderados são outra história, porque não têm poder nem amor, que também serve para desaborrecer (amor pela realidade europeia constantemente em construção).
Ou, se têm amor, é um amor aborrecido, que nunca é amor.

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