Tuesday, September 29, 2009

Interior nosso


Sobre este seríssimo assunto de estarmos aqui a morrer aos poucos no Interior, penso sinceramente que havemos de sair mais fortalecidos no final das contas, se não desvanecermos de todo antes. Há caminhos que vão sendo feitos, há gente boa a trabalhar, há sinais de uma nova confiança e ambição. Não é ingenuidade, não se trata de optimismo vazio, é apenas a minha percepção de que existe um certo despertar de almas. Não sei é se vem a tempo. Porque o risco de o Interior morrer de facto, ou ficar moribundo durante décadas, é real, se as coisas não mudarem definitivamente de rumo. Pode ser que a tomada de consciência destes riscos seja o derradeiro estímulo para o início de uma transformação. Pode ser.

O desequilíbrio entre Interior e Litoral é coisa de séculos. A localização da maior parte dos grandes centros na zona Litoral era já um convite à saída para o mar (se pensarmos na razão de ser dessa localização recuaremos milénios e não séculos). E então fizemo-nos ao mar. O Litoral ganhou definitivamente grande importância em tudo, enquanto boa parte do nosso Interior começava a ser esquecido. Talvez fosse inevitável. Em todo o caso, o Interior continuava a encontrar ainda nas actividades mais tradicionais uma vitalidade própria. Só muito mais tarde a situação se degradou a sério, com o despontar de actividades como a indústria e os serviços, muito mais dependentes da tecnologia e do conhecimento. Por efeitos da inércia e de falta de visão política, essas actividades concentraram-se predominantemente no Litoral (para não falar do que se passava noutras paragens, noutros países).

O esvaziamento de muitas regiões do país foi avassalador, no último meio século. De há algum tempo a esta parte tem sido tema de discussão a nível nacional. Muito se tem discutido, de resto. Talvez demais. Nós próprios, ‘interioranos’, nos perdemos às vezes em análises de todo o género, no estudo das opções estratégicas e afins. Não digo que isso não tenha importância nenhuma, mas o que não podemos é esquecemo-nos de caminhar, de fazer coisas, de experimentar. Já todos temos consciência dos problemas que defrontamos. Já se fizeram mais que muitos diagnósticos. Pessoalmente dou apenas uma importância relativa a discussões em volta de temas como a distinção entre o que cabe fazer às autarquias e o que é que cabe ao governo; ou saber se essas autarquias devem ou não conciliar estratégias entre si; ou se é melhor apoiar as empresas que queiram investir na região ou tentar atrair pessoas através de benefícios vários; ou ainda perceber se a melhor aposta está no turismo ou se por outro lado não podemos passar sem alguma indústria. Experimente-se: o que resultar é bom.

Eu não sou exemplo, uma vez que me limito a ‘palpitar’ umas ideias, em vez de fazer. Em todo o caso, palpito também que se não fizerem bem, as ideias, também não hão-de fazer mal, não é por aqui que se perde o fio à meada. Aliás, aqueles que parecem querer olhar de novo para o Interior como lugar de oportunidade e esperança depois de derramadas todas as lágrimas pelo quase tudo que se perdeu – dos quais falei no início (e de que tentarei dar exemplos noutras oportunidades) – não actuam primordialmente em função das muitas leituras que se vão fazendo.


Depois de uma catástrofe séria numa área natural, as formas de vida mais simples encarregam-se aos poucos de ocupar o espaço vazio. E atrás desses primeiros rebentos vêm outros, de raízes mais fundas. Nem todos vingam, mas a Natureza não desiste. Mais cedo ou mais tarde, tudo estará recomposto.

Gostava que esta metáfora viesse a aplicar-se ao Interior. A parte da catástrofe já está.

Thursday, September 24, 2009

Monday, September 21, 2009

Tenho de encontrar alguma coisa


Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa. Tenho de encontrar alguma coisa.




























Tenho de encontrar alguma coisa





































Optimismo!
























É isso













Thursday, September 17, 2009

Ouvindo conversas, lendo fragmentos, observando sinais


Assim também eu criava colhões!




(Homem gritando do lugar do passageiro de uma viatura que abrandou a sua marcha e se abeirou de outro, aparentemente conhecido do primeiro, e que, imóvel, ensimesmado e de boné na cabeça, se encontrava sentado num banco de jardim, a apanhar o sol da tarde de braços e pernas afastados; hoje, praça central de Eiras de Sabaio)

Monday, September 14, 2009

O mal-da -terra


...A emigrazon y ó Rey, arrebatanlles de continuo,
o amante, o hirman, o seu home, sosten dá familia
de cote numerosa, e asi, abandonadas, chorando o
seu desamparo, pasan a amarga vida ant'ras incer-
tidumbres d'a esperanza, á negrura d'a soidade y
as angustias d'un-ha perene miseria. Y o mais des-
consolador par' élas, e, que os seus homes vans' in-
do todos, uns por que ll'os levan y outros porque o
exempro, as necesidades, âs veces un-ha cobiza,
anque disculpabre, cêga, fannos fuxir d'o lar queri-
do, d'aquela á quen amaron, d'a esposa xá nay e
dos numerosos fillos...


(Rosalia Castro de Murguía)

Thursday, September 10, 2009

Baunilha e chocolate - que humanidade é esta?


Há agora umas sobremesas muito boas de baunilha e chocolate no Minipreço de Romaride. Onde vou às vezes. E há agora crianças neste país que são uns príncipes birrentos e chorões. Eu também lá vou por causa das refeições congeladas, não como só baunilha e chocolate. As crianças é que não, querem tudo o que lhes apetece aos berros. A mim apeteceu-me há dias dar uma bolachona a uma, mas sou responsável e não estive para a estragar com mimos, se fosse à mãe comprava-lhe hortaliça para ficar forte em vez de chupas, como sou eu comprei pão caseiro para mim.

Mas gosto suficientemente de crianças para olhar às vezes para mulheres como quem admite arriscar-se a engravidá-las um pouco, bem aí umas quatro ou cinco delas faço-lhes isso entre ir e não vir do supermercado, de semana. Se for ao Modelo na sede de concelho talvez cheguem às trinta. Acho isto normal. Sete ou oito vezes por mês em média, durante dez anos, e pode acabar por me aparecer uma de tal maneira que me convença a ir às compras com uma criança, só que das nossas (a não ser que seja só para dar beijinhos), em todo o caso depois senta-se à mesa e não toca em sobremesa nenhuma enquanto não comer a sopa de feijão verde.

Agora apenas indo eu ainda a caminho do Minipreço tive foi e de que maneira uma vontade cega de matar um velho que entrou de repente de mota a seguir à curva da Cardosa.

Ao todo, de casa a Romaride e de Romaride a casa, acho que me cruzei com umas dezasseis pessoas, e catorze nem olharam para mim (saberiam de alguma coisa?, foi, foi, que eu deixo transparecer tudo).

Por fim voltei para casa e acaba já a seguir: as sobremesas estavam fora do prazo, a rapariga da caixa fora uma das que olhara para mim mas havia sido gorda e mal-encarada, e eu não sei fazer sopa de feijão verde. Ora bem, estando a gente em Eiras de Sabaio, não haverá por perto, eirenses, um pequeno comércio tradicional onde as crianças vão sozinhas buscar o pimentão que falta às mães e a gente encontra alguém que tem a saúde de espírito necessária para saber fazer uma sobremesa a sério (as do Minipreço também as há de caramelo e não são piores)?

Monday, September 7, 2009

Thursday, September 3, 2009

Entrevistas a pessoas da nossa terra

A Maria João não é natural do Vale Interior, nasceu em Lisboa e aí viveu até se ter mudado para cá, há cerca de cinco anos. Deixou a profissão, Educadora de Infância, e abriu um pequeno negócio em Eiras de Sabaio. Onde tem aproveitado a oportunidade de desenvolver as suas capacidades pessoais em diversas áreas. Com ela, podemos aprender a ter perspectivas diferentes sobre o Vale.


Filipa – Depois de ter passado estes últimos cinco anos no Vale Interior de certeza que já o conhece bem. O que é que a região lhe diz de especial? Já se sente plenamente integrada?
Mª João –
Sim, se não somos já carne e unha anda lá perto. Mas isto é uma iniciação, o conhecimento nunca tem fim. Nestes quase cinco anos já fiz, se quiseres, o 1º ciclo. Sei o básico. Passava no exame – com boa nota, quem sabe! Pelo menos tenho-me esforçado. Penso que me senti integrado logo desde o início. Cada vez mais, claro.

Filipa – Como era a sua vida em Lisboa?
Mª João –
Agitada, corre-se muito e não se sai do lugar. Sempre a mesma coisa durante… muito tempo. Sempre soube que me faltava algo. Mas posso dizer-te do que é que eu gostava, também: de ir ver bailado, moderno e clássico, sou uma louca; dos santos populares; dos elevadores; de contemplar o rio. Há muitas coisas fantásticas. Lisboa é um sítio interessante para visitar, para questionares os teus equilíbrios, porque ao mesmo tempo tens a energia e a melancolia. É super confusa, acidentada, e depois as pessoas foram construindo tudo em camadas. Ao longo da história, foi-se construindo. Não tem uma força estável, uma ordem, não é? A própria terra me dá razão, de vez em quando, dá uns abanõezitos. Por isso, é bom para libertares as tensões internas. Eu vou lá quando sinto que preciso de baralhar e dar de novo. Mas depois afasto-me. É bom para visitar, mas para viver para mim não.

Filipa – Foi por isso que veio para o Vale Interior? Veio à procura de paz?
Mª João –
Pode dizer-se que sim. Os lugares é a gente que os faz, acredito nisso. Mas para isso eles têm realmente de nos dizer alguma coisa também, como dizias muito bem.

Filipa – E o que é que o Vale lhe diz? Acha que as pessoas que são de cá também podem ouvir?
Mª João –
É quase impossível explicar por palavras. Toda a Terra te pode acolher, não é? Ou melhor, toda a Terra pode acolher pessoas, toda a Terra pode acolher gente! Só que nem todos os lugares são iguais para toda a gente. Depende também da sensibilidade e do momento, do desenvolvimento pessoal. Muitas pessoas não sabem traduzir isto. Muitas vezes as pessoas dizem ‘não gosto deste sítio’, mas não sabem dizer, ou não percebem porquê. Pode ser por causa da paisagem, do ambiente, e elas podem dizer isso. Mas muitas vezes não percebem que o lugar lhes está a comunicar através de sinais ao seu… interior, vamos lá, ao seu ser mais profundo, que é próprio de cada pessoa. São sinais, são… coisas que as pessoas não sabem traduzir, não aprenderam a descodificar. E então dizem que não se sentem bem, ou que não gostam deste lugar, ou daquele lugar, isso ouve-se muito.

Filipa – E quais são esses sinais aqui no Vale Interior?
Mª João –
Pronto, para mim há alguns pontos de referência específicos e há também uma atmosfera, como uma personalidade deste lugar. Em Lisboa também há, por exemplo falei-te na energia e melancolia, aqui há uma energia… – ah, mas em Lisboa é uma energia mais caótica, mais tensa – aqui é uma energia mais de ligação. O vale acolhe, tem uma alma forte, mas não prende. Tem espaço, os cumes estão afastados e têm uma inclinação suave. E isso nota-se em tudo, nas plantas, nas árvores, até nas pessoas. É concêntrico mas tem por onde libertar a carga que acumula. Tem por exemplo o rio, um canal que atravessa este prato todo e comunica para além dele. Eu às vezes imagino que é uma espécie de disco, como os pratos de uma antena parabólica. É um emissor que liga a energia proveniente, não sei, do espaço, de tudo o que flutua na atmosfera, e a recolhe para a terra. Ao memo tempo acumula e o prato faz de reflector para um determinado ponto no espaço. Faz uma ligação nos dois sentidos. E é isso que eu sinto de especial. Tem mais a ver com o nosso mapa interno, com o nosso íntimo. Agora, cada um faz a sua leitura. Não tem nada de extraordinário, toda a gente sente estas coisas, só que nem todos param para pensar e sentir. Eu às vezes sinto esta ligação de uma maneira… muito forte mesmo. Não tem explicação, mesmo que te quisesse dizer… às vezes sinto a energia a correr através de mim nos dois sentidos, e é como se fosse mãe e filha deste chão que estou a pisar. Já te aconteceu alguma vez?

Filipa – Ainda não.
Mª João –
Também ainda és muito nova, mas hás-de experimentar andar descalça. Sentir o chão.

Filipa – O que é que se pode aprender nas suas visitas guiadas?
Mª João –
Isso é um bom exemplo. Eu acho que uma experiência se deve desenvolver em vários planos, ser a mais rica possível, e depois cada um retira aquilo que está de acordo com os seus interesses e sensibilidade. Por isso eu não me foco em nada de muito específico, mas num todo. O importante é que faça sentido. Há pessoas que vêm e se identificam mais com a paisagem, outras com a gastronomia, enfim, pode ser um passeio turístico como qualquer outro. O contacto com a natureza, andar a cavalo, essas coisas. Depois fazemos na quinta actividades, relacionadas com as artes – aprendem artesanato também, quem quiser. Fazemos diversas técnicas espirituais ou de relaxamento e meditação, aprendemos sobre alimentação, tudo isso. O que é giro é depois incluir tudo numa visita guiada, e isso já depende da época do ano, da disponibilidade de algumas pessoas da região, porque levamos mesmo os visitantes aos locais, mostramos o artesão, ouvimos falar das lendas e das histórias locais. Eu falo normalmente um bocado da minha interpretação espiritual do Vale Interior, baseada na minha experiência e na pesquisa a diversos autores – falo do Rio Sabaio, da Pedra da Salga, da configuração do Vale, os seus montes, as suas grutas, mas também das plantas, das ervas medicinais, que as pessoas recolhem também muitas vezes. Depois fazemos um almoço que inclui produtos da região, podemos aplicar à tarde, por exemplo, algumas técnicas, ou vamos para as artes, num local bonito, ou com determinadas características especiais. Enfim, não há duas visitas iguais.