Wednesday, November 10, 2010

Isto não vai passar


O Mário não pagou o gás e por isso a Júlia toma um duche frio, numa das versões da história. Júlia resolve ligar a Susana.
Sim, logo vou ficar a tua casa.
Só por causa do gás?
Como é que soubeste?
Foi ele.
Como é que ele soube?
Disseste tu.
Disse?
Gritaste, no banho, ou ameaçaste, qualquer coisa assim.
Não, não é só por causa do gás.
Pois, mas ele pediu-me para eu dizer que não.
E tu?
Disse que... ia dizer que não.
Porquê? Não sei, para vosso bem, acho eu.
O nosso bem, essa é boa!
Estou a ver.
E então, posso ir?
Bom, se tens a certeza que é o melhor, acho que sim, mas vou ter que lhe dizer que não estás cá.
Claro, é isso.
Ele de certeza que vai rondar a casa de vez em quando, e também vai telefonar para cá, mas tu nunca podes atender!
Sim, sim, é isso.
E depois, quando tudo passar, também não lhe vais poder dizer nada, inventas uma história qualquer.
Claro que não digo nada.
Prometes?
Prometo, mas ouve, ISTO NÃO VAI PASSAR.
Pois, é que se disseres fico eu com um grande problema!
Eu compreendo, mas ouve-me, isto NÃO VAI passar!
Eu já lhe prometi que não te recebia, se depois ele souber…
Não vai sab…
… é capaz de me fazer alguma.
Não, que exagero, ele nunca te vai fazer nada.
Exagero? Bom, o Mário não é propriamente uma pessoa…
Quê?
Fácil, sabes que...
Não, não é.
Ah, continuas a não gostar que se fale…
De quê?
Esquece, eu...
Olha, o Mário pode ter o feitio dele, mas acho que não te faz nada, é só isso.
Não digo bater-me, mas sabes bem como ele gosta de inventar coisas... meio estranhas.
Sim. Às vezes.
Não são assim tão poucas, e sem necessidade nenhuma. Parece que tem gosto.
Sabes como ele é...
E tu também sabes, e mesmo assim... sinceramente não sei como aguentas. Aquelas piadas à frente de toda a gente, o que ele diz de ti...
Sim, eu sei.
Olha, a mim já me apareceu na loja num dia de movimento...
Só para se fazer de desconhecido.
Sim, eu a falar para ele naturalmente...
E ele a olhar para ti, espantado.
Sim, e só...
Porque há não sei quanto tempo não o reconheceste não sei onde.
Sim. Eu digo que foi por isso, não sei. É coisa que se admita? Não o venhas agora defender, já que me quiseste envolver!
Não, não é isso. Escuta, isto não é fácil para mim... mas tu...
O quê?
Também te ris às vezes do que ele faz! Ou não?
De algumas coisas, sim. Mas cada vez menos.
Para ele é tudo... um jogo, compreendes?
Escuta, agora já não importa.
Ele é assim, e eu... eu não queria que tu ficasses a pensar que ele é uma espécie de monstro. Compreendes?
Compreendo.
Nem que eu sou. Compreendes?
Tu?
Eu depois ligo-te. Por favor, tenta compreender.

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