Thursday, December 8, 2011
Friday, November 4, 2011
Algumas notas sobre o reencontro com «o Galo»
O sr. Abílio de Sousa, pessoa conhecidíssima em Romaride inteiro por «o Galo», sempre foi muito atento às novidades da terra, naquele seu jeito de mostrar interesse, com um sorriso diria ora mais airoso ora matreiro. «O Galo» debicava sem que se desse por isso. Não que fosse de descaramentos como alguns e algumas. Ou de grandes intrigas, que essas vêm muitas vezes de onde menos se espera. Não, aquilo era alma de repórter. De grande repórter, isso sim.
Na verdade, eu próprio fiz ontem todo o gosto em divagar novamente com ele, aqui por estas nossas velhas ruas. Foi um puxar da memória, pois como em termos, modos e tempos já dei a entender – a quem o não soubesse ainda – , do «Galo», a memória é tudo o que resta.
Comecei por me dirigir à Praça, desde sempre o seu lugar de eleição. Aproveitando para ilustrar um pouco alguns aspectos da vida de então, havia os homens da praça, que às vezes iam à taberna, e os da taberna, que às vezes vinham até à praça, sobretudo ao domingo. Não se pense que os homens da taberna, apesar de em geral de manifestarem extrema devoção ao vinho da casa, fossem gente pouco trabalhadora. Pelo contrário, os da Praça bebiam menos mas também trabalhavam menos, velhos e novos. Certamente que alguns outros frequentavam a taberna quando tinham dinheiro, e a praça quando não tinham, mas esses eram de longe os que menos vida orientavam. Daí concluindo eu desde esses tempos que mesmo entre a praça e a taberna um homem tem de saber escolher a sua vocação.
Na Praça reinava «o Galo». Permanece de certo modo a sua Praça. Não me estranharia quando ali cheguei topar de repente com ele, descontando um ou outro pormenor que nos recorda que os tempos são outros. Para dar um exemplo, julgo que concordarão comigo quando digo que uma das principais novidades, por estranho que possa parecer, é que antigamente era mais movimentada de trânsito automóvel. Aquele era o centro vital da povoação, e local de passagem obrigatório. O trânsito não seria na verdade muito, mas à época impressionava: quase só camiões de mercadorias e autocarros, talvez um ou dois por semana, para regalo dos rapazes. Hoje não é assim, obviamente, devido às proibições de circulação.
Algumas das casas mais bonitas estendem-se, como antes, pelo perímetro da Praça e ruas adjacentes, felizmente. Íamos discutindo isso, quando nos detivemos à porta de Mestre Candeias, grande figura da música romaridense. Que saudades das sessões da Ligeirinha (quem se lembra?), uma formação composta por alguns dos melhores músicos da Banda Filarmónica, sob a batuta do saudoso Mestre Candeias. O sucesso era tanto em dois ou três salões de baile que logo se improvisaram que as mães de família chegaram ao ponto de alegar questões de moralidade junto da esposa, tentando pôr fim aos bailaricos. Algum fundo de verdade haverá nisso, pois Mestre Candeias era bem conhecido por suas tiradas. Entretanto, aproveitei para dar conta ao «Galo» das grandes melhorias que se vêm verificando na nossa Filarmónica, a todos os níveis. Mas é preciso dizer que não será fácil fazer nos nossos dias algo que supere a verdadeira sensação que constituiu à época a brilhantíssima Ligeirinha, irrelevando um ou outro excesso.
Estas e outras diversões eram relativamente esporádicas, e sobretudo bastante modestas em termos de gastos. Essa modéstia também se expressava em acessibilidade a todos quantos quisessem participar. Algumas pessoas mais humildes talvez se sentissem um pouco duvidosas em aderir a determinadas festividades, mas não havia um espírito elitista ou de segregação por questões da conta bancária, como há hoje. Relembrámos a propósito os casos do Mário Tropa, e de toda a sua família, ou os Bairradas, como exemplo, pessoas que notoriamente tinham uma vida de dificuldades, e que no entanto faziam um especial gosto em assistir aos espectáculos musicais e teatrais, ou outros, que se produzissem na terra. Falo destes casos em especial porque o meu pai fazia questão de juntar à sua mesa estas famílias no dia do Peditório dos Martírios. É uma relação já muito antiga, embora fosse confessando ao «Galo» que quando era bem jovem cheguei a ser obrigado a sentar-me à mesa num que noutro desses jantares, porque eu apreciava a máxima «os Homens são todos irmãos», mas não a compreendia completamente. Foi uma lição que me ficou para a vida.
Alguns dos filhos dessas famílias são actualmente donos de algumas das melhores moradias que tivemos oportunidade de apreciar, algumas até «históricas», que as há bem bonitas em Romaride.
Tuesday, October 4, 2011
Info-exclusão para sempre
Às vezes pergunto-me que espécie de vida podemos nós ter, nós info-excluídos, à medida que a realidade se vai tornando cada vez mais virtual. Antes de mais, será que para além das alfaias electrónicas há ainda vida? Empregos, casas, bolsos, mentalidades, está tudo a ser invadido.
A EXCLUSÃO. É esse o nosso destino, aparentemente. A palavra diz tudo. O que é que uma pessoa há-de fazer? Gostaria de saber realmente se estamos tramados. Na minha vida (bastante pura e analógica!), respondo ao ataque com militância e luta, camarada. Mesmo que eu não saiba muito bem em que é que isso se traduz. Encontro no entanto muita gente bem pior, digo eu, gente que se queixa dos abusos de poder das máquinas mas que já nem reage. E isso faz falta. Podemos começar por brincar um pouco mais a sério, digamos assim, com o assunto: um passeio sem GPS, uma carta escrita à mão, dar de caras com um amigo e recomendar-lhe um livro, fundar uma associação (porque não? nós fizemos um blogue!).
O problema, como se vê, não é fácil de resolver, mas não me digam que não há nada que se possa fazer. Não é verdade. À medida que escrevo esta belo texto, por exemplo, sei bem que é como se a info-exclusão, o pior que há nela, já tivesse ganho! Porque tudo quanto se possa dizer sobre a questão (sobretudo num blogue, eu sei), como os exemplos de respostas a dar-lhe, parecem coisas ridículas e inúteis, num mundo infectado, e satisfeito, com a bendita tecnologia. Só que o problema é real, e ter vergonha de admiti-lo não resolve nada. Info-excluídos, por favor não vão por aí.
Para deixar claro, não é necessariamente a tecnologia que está em causa, mas a excessiva dependência e alienação que provoca na vida da maior parte das pessoas, além da discriminação sobre quem escapa aos dois primeiros males, que é ainda pior. Eis como se resume o «problema», da nossa perspectiva: a info-exclusão seria uma bênção, como poder comer de simples faca e simples garfo num jantar de gala. Mas acontece que os engalanados preocupam-se mais com os próprios talheres do que com a refeição.
E àqueles que dizem que não saber à partida usar os talheres é a raiz do problema, convém talvez lembrar que pode não ser fácil perceber quanto disso se deve à aversão e quanto se deve realmente a incapacidade. Há gente que teria capacidade, simplesmente é alérgica. Já todos lhe ouvimos chamar muita coisa, não é verdade? Mas pense lá bem se tem mesmo paciência para talheres. E depois há isto: ninguém se chateia, nem é muito chateado, se não souber construir um palheiro, ou gravar uma canção num estúdio profissional, por exemplo. São meras tecnologias também. Que ou bem que se domina, ou que não se domina. E pronto. Mas uma tecnologia que chega e quase ocupa toda a paisagem, adquirindo enorme relevância social, como é o caso não de uma mas de várias, tão «importantes» que já nos referimos a elas genérica e simplesmente como «a tecnologia», como se fosse a única, ou então dizemos «as novas tecnologias», como se não houvesse outras igualmente novas; enfim pois, com essa, ou com essas, é completamente diferente. É outro filme.
Por isso é que não podemos deixar de ser nós, info-excluídos, a dar os primeiros passos no sentido da desmistificação da importância das alfaias nas nossas vidas. Porque um meio é apenas um meio, não pode (obviamente) ser um fim em si mesmo. Isto nas nossas vidas info-excluídas, mas diga-se, é assim na de todos. Devemos ter a essa pretensão de sabermos melhor do que os outros, e de os querermos ajudar (por mim não peço outra vingança!).
Mais uma vez, já que houve ali uma frase que, vá-se lá saber como, me parece ter saído bem: um meio é apenas um meio, não é um fim em si mesmo. Certo?
Saturday, August 27, 2011
Lanterna mágica
                                                        
Thursday, July 14, 2011
Ouvindo conversas, lendo fragmentos, observando sinais
VÃO ACABAR OS POLÍCIAS?
Com as alterações feitas na admissão ao serviço policial as mulheres estão equiparadas aos homens.
É um princípio de igualdade de direitos concedida aos dois sexos.
Mas, na prática, as coisas podem trazer novidades inesperadas.
Se as mulheres aparecerem a concorrer com maior preparação intelectual, com mais estudos, elas estão em termos de obter maiores classificações e isto fará aumentar o seu número nos quadros policiais.
Mesmo fisicamente, as mulheres são capazes de saltar mais do que os homens e até de correr velozmente. Não esquecer o singular caso de Rosa Mota...
Ora, nesta ordem de ideias, nada nos admiramos se os quadros de tais serviços, dentro de poucos anos, estiverem cheios de mulheres e vazios de homens.
Por isso nos atrevemos a considerar possível ver reduzir o número dos polícias e aumentar o das polícias, acabando, provavelmente, por termos só as polícias e acabarem os polícias...
O raciocínio parece ter lógica, mantendo-se as condições de admissão e de acesso agora existentes na Polícia de Segurança Pública. Ou estaremos enganados?
(Retirado de um jornal regional de Maio de 92)
Sunday, June 12, 2011
Entrevistas a pessoas da nossa terra
Filipa – Sr. Mário Murtosa…
Sr. Mário – Mário da Murtosa.
Filipa – … diga-nos quando começou a aprender a ler.
Sr. Mário – Ler é coisa que não sabia, assim foi o meu estado, mas faz dez anos e um bocado a minha maior alegria.
Filipa – Dez anos, portanto, é isso?
Sr. Mário – Dez anos e um bocado. Sim, é isso.
Filipa – Qual foi a primeira coisa que leu?
Sr. Mário – Camões. Não, mas já li qualquer coisa. Mas a primeira coisa foi, depois das coisas da escola, um livro sobre a guerra de África.
Filipa – Eu tenho informações de que agora está viciado na internet!
Sr. Mário – Sim, essa história é engraçada porque eu não sabia ligar um computador.
Filipa – Olhando para trás, acha que lhe fez falta?
Sr. Mário – Claro que fez.
Filipa – Mas no entanto foi tanta coisa, esteve envolvido em tantos cargos…
Sr. Mário – Não há no mundo melhores letras, do que as da necessidade, não são precisas canetas, basta a boa vontade.
Filipa – Quer falar um pouco disso?
Sr. Mário – Eu decorei sermões inteiros de missa, pagavam-mos em pão, os avisos, as novidades todas. Eu conhecia toda a gente e toda a gente me conhecia a mim. Conhecia vivos e mortos de há cem anos.
Filipa – Quem é que pagava?
Sr. Mário – Pessoas doentes. E outras pessoas, que gostavam de mim. Nós éramos muito pobres.
Filipa – Entretanto, mais tarde começou a trabalhar na marinha mercante.
Sr. Mário – Sim, foi a minha grande escola. Mas isso foi depois da tropa. Passados sete ou oito anos já tinha dezenas de homens à minha responsabilidade, sem saber ler nem escrever.
Filipa – Como é que alguém vai daqui para trabalhar no mar? Não achou estranho?
Sr. Mário – O estranho… não. Muitos iam para mais longe. Eu não. O meu serviço foi sempre em terra. Nunca pus os pés num barco, até ao dia de hoje.
Filipa – Considera-se feliz?
Sr. Mário – Tive muita sorte. E vontade de aprender.
Filipa – Qual é que é a mensagem que quer deixar em especial para os escuteiros, agora que se diz que poderá voltar a ser chefe?
Sr. Mário – A mensagem de que eles são também são a menina dos meus olhos. O que é que eu hei-de dizer?
Filipa – O que responde então à polémica de que sempre a dada altura deixou os escuteiros para segundo plano, e que numa fase inicial teria chegado a «torcer o nariz» à sua implantação?
Sr. Mário – Que é esquisito, mas para mim já nada o é. Isto são coisas que passaram à vista de toda a gente, são águas passadas que ao fim de muitos anos voltam outra vez à superfície. Mas a água nunca corre duas vezes debaixo da ponte. E se corre já não traz trutas. E eu aprendi há muito tempo esta lição: quem não quer ser criticado nunca, tem bom remédio: não faz nada de nada.
Filipa – Quer dizer que pensa mesmo dizer que os escuteiros podem contar consigo?
Sr. Mário – Ah, isso sempre.
Monday, May 9, 2011
Sunday, March 20, 2011
Primavera
Uma picada de vespa é como ser espetado na carne por um aguilhão capaz de bombear durante horas a fio um veneno tão poderoso que provoca lancinantes dores. É exactamente como isto. A dor moral poderá ser maior para quem seja muito meigo de pele e coração e se sinta de repente intoxicado por uma até então nunca pressentida essência maléfica, poderá, mas isto sou só eu a dizer. Se for assim, não obstante, apraz-me pensar que reciprocamente alguma da particular doçura do meu ser tenha contaminado o corpo da gaja (ou pensas que é chegar aqui assim mordes e vais-te embora?) e que agora essa porca chauvinista esteja meio afectada dos cornos.
Fui até ao vespeiro, lá atrás, sem ligar a pormenores: mandei um chutão de pé direito numa vara de ferro que está a apoiar a estrutura metálica, na qual fizeram o ninho, não interessa, ficou tudo a estremecer, e elas que nem doidas. Foi giro. Depois fui buscar uma bola e lá estive a rematar contra aquilo, um bocado de longe. Muito giro também, quando acertava.
Sunday, January 23, 2011
Os yuppies também sofrem
Li algures que o nosso país é uma bela mas decadente ruína na qual, em todo o caso, se perecebe um enorme potencial. Bom, suspiremos profundamente a isso, que bem merecemos. Quem o escreveu foi uma pessoa de outro país que vive cá. Talvez por isso tenha prestado mais atenção, passe o provincianismo de atribuir relevância acrescida ao que os de fora dizem. E a verdade é que suspirei mesmo, de testa na mão e tudo.
Pensava estar mais ou menos entendida comigo mesma quanto a ideias e a emoções mais intensas sobre o país, mais as suas belezas e potencialidades. Os sonhos e as ansiedades que me assaltavam com toda a vivacidade em idades mais jovens, ou mais juvenis, foram-se tornando naturalmente mais esbatidos com o passar do tempo e das suas circunstâncias (que é como quem diz emergências), que os iam espalmando e moldando sempre (que é como quem diz impedindo que se rompessem definitivamente). E assim foram ficando as coisas, em suspense, justamente esperando pelas perturbações que viessem.
Há anos que faço parte de uma associação de defesa do patriónio e do pequeno comércio de uma zona históricas do Porto, pois tive a sorte de descobrir cedo que muitas coisas podem ser feitas enquanto se espera – na verdade, a participação em associações e projectos de pequena escala é uma das melhores formas de preservar vivos todos os patrimónios, incluindo o da esperança. (Ou será todas as ruínas?)
O sr. Parente, sócio fundador da associação, luta por um património bem concreto: a sua Sapataria Moderna – nome justíssimo à data da abertura, explica-nos, no longínquo ano de 1963. Quando lá entrei com Sérgio antes do Natal, por causa de assuntos da associação (mas também para espreitar a Colecção de Inverno) dei-me conta, por mero acaso, de que aquela declaração confiante de modernidade no letreiro, por cima da porta, era precisamente o que em toda a loja mais nos sugeria outra época. Mas se hoje não se proclama a modernidade assim, às vezes pouco menos, e eu, sem o saber ainda, estava prestes a ver a minha concepção de modernidade confrontada com outra bem diferente.
É que para mim, chamem-me romântica, a modernidade é tambem a consciência daquilo que se deve salvaguardar (e que acabará depois por se tornar clássico); enquanto que o jovem contabilista do sr. Parente, que estava de passagem pela sapataria, tem uma visão mais de mercado: há que adapatar, remodelar, reconstruir – enfim, modernizar; ou então sucumbir, abrir espaço para os novos projectos. Acabei por simpatizar com a maneira interessada e honesta como defendia o seu ponto de vista e com a preocupação genuína que manifestava em relação ao futuro da sapataria. Que não se afasta muito da visão que tem daquele bairro histórico e mesmo, é claro, do país. De alguma maneira, toda a gente se aflige com o que vê. A grande questão, digo eu, é saber o que fazer com as diferentes espécies de «ruínas».