Friday, November 28, 2008

Entrevistas a pessoas da nossa terra



A srª. Maria dos Anjos Sobral vive no lugar dos Malheiros, mas é conhecida em quase toda a freguesia de Romaride. Em tempos foi das pessoas que mais protestaram contra o encerramento de uma instituição de apoio a crianças pobres de Romaride, porque os homens tinham emigrado e pouca gente sabia ler e escrever. Ela era, aliás, das poucas mulheres que não eram analfabetas. Soube criar os filhos e os netos, e ainda ajudou e participou, ao longo dos seus 82 anos, em várias associações e iniciativas, como o Rancho Folclórico de Romaride.

Filipa – A srª Mª dos Anjos como é que aprendeu a ler?
Srª Maria dos Anjos –
O meu pai era lavrador e teve seis filhos. Só os dois mais novos é que foram rapazes, as quatro primeiras tudo raparigas. Eu sou a terceira, a Custódia era a mais velha. E eu fui a única das minhas irmãs que aprendeu a ler. Isto porque a minha irmã Custódia foi servir para um padre que nessa altura veio para Romaride aos doze anos. E eu não podia ficar em casa sozinha, ia mais ela e por lá estava, quando assim calhava. E foi com a irmã do padre, que era mais velhota que ele (e ele também já não era novo), que eu fui começando a aprender.

Filipa – E foi fácil?
Srª Maria dos Anjos –
Ah, aprendi como os outros! Os que puderam, quem podia aprendia. Mas nunca fui muito rude, sempre gostei de aprender de tudo.

Filipa – E depois as outras raparigas iam ter consigo para lhes escrever as cartas aos namorados, não era? Não ficava atrapalhada por estar a escrever coisas de namorados?
Srª Maria dos Anjos –
Escrevia para raparigas e rapazes, escrevia para quem calhava. Mas elas eram mais velhas, já raparigas com ideias de casar. E outras casadas. Eu não pensava ainda em namorar, tão pouco. Sempre escrevi cartas, desde os meus doze ou treze anos.
Os homens, coitados, iam trabalhar para longe e depois falavam-se era por carta, com os familiares e com as namoradas – ou até outros assuntos. Mas era com respeito, [porque] tudo o que eu escrevia era na mesa da sala, elas ditavam e eu é que escrevia. Mas o meu pai e a minha mãe estavam sempre à disposição de entrar. E que não estivessem, para mim não fazia diferença. Naquela altura o namoro, propriamente, era diferente do de agora.

Filipa – O meu avô é que me disse que a srª sabia alguns segredos dos namorados, mas segredos sem maldade, e que por isso toda a gente a queria como amiga nas festas. Como é que eram essas festas? E o que acha das diversões dos jovens de agora?
Srª Maria dos Anjos –
Olha, vou-te dizer, tu que idade tens minha rosa?

Filipa – Dezasseis.
Srª Maria dos Anjos –
Andei contigo ao colo, já a minha neta mais nova andava na escola. Tu ainda não foste estudar para fora?

Filipa – Não.
Srª Maria dos Anjos –
Já sabes o que vais seguir?

Filipa – Não sei. Talvez jornalista.
Srª Maria dos Anjos –
Sim. Eu só comecei a ir a algumas festas, assim pelo dia, quando era da tua idade, mais ou menos. Àqueles bailes à noite, que às vezes havia aqui ou ali, nunca fui, nem em casada nem em solteira. Só o que é … eu era muito boa companheira, e sabia as canções, os versos, sabia aquilo tudo. Não era pelo dançar que eu lá ia. Sempre fui muito amiga de aprender. Dos meus irmãos todos, rapazes e raparigas, só eu é que sabia aquelas coisas dos antigos, dos nossos pais, nossos avós, e ainda sei a grande parte delas. E era por isso que toda a gente se queria dar comigo. Puxavam por mim, e eu cantava, não era pelo dançar ou isto ou aquilo que eu lá ia. Sempre gostei de cantar, e cantava, está claro, não cantava mal, pelo que diziam [risos]. Mas agora dizendo mesmo verdade das coisas como elas eram, nunca fui cá de agarramentos, isso assim não!

Filipa – Depois casou, o seu marido também foi emigrante e a srª é que ficou a tratar dos filhos. Eram tempos difíceis?
Srª Maria dos Anjos –
Criei os filhos e os netos, com a ajuda dos pais claro. Tudo aprendeu a ler e a escrever comigo! A fazer contas, muitas cantigas… sei lá! Agora alguns já estão formados, outros para lá caminham.
Mas trabalhava muito, pronto. Era uma vida… de trabalho, sempre toda a vida. Mais nada.

Filipa – E como é que foi naquela altura em que queriam encerrar a casa da criança?
Srª Maria dos Anjos –
Bom, isso era uma coisa que queriam fazer… era para passar para outro sítio, mais afastado daqui da região. Mas havia aqui muitas crianças pobres… em Romaride, em Eiras [de Sabaio], Valinhos, e outras. O povo opunha-se muito a isso. A casa já cá não está, pelo menos como ela era, mas enquanto cá esteve fez muita falta, e veio tudo dessa altura, da força e da luta do povo de Romaride. Disso nunca mais me esqueço.
Eu conhecia uma pessoa da direcção daquela obra, daquela assistência, em Coimbra, que era a irmã Adélia. Era uma pessoa dos conhecimentos do padre de Romaride. Ele, o padre, é que achou que era melhor ser eu a escrever para ela, também porque via que eu era das mais interessadas no caso, além de não haver muita gente a saber escrever, naquele tempo, os homens grande parte deles estava fora... E era para ela ver o que é que as pessoas da terra pensavam, os casos de miséria que por aí havia e isso tudo assim.
Escrevi muito, de negócios, terras, casamentos, ajudei muita gente, posso-o dizer, graças a Deus, mas esta carta foi a que mais gosto me deu escrever. Em nome das mães e das crianças mais desagasalhadas.

Filipa – Eu concordo com tudo. Mas falando de outras coisas, a srª teve um papel muito importante no nosso rancho. Quer falar disso?
Srª Maria dos Anjos –
Papel importante tem o teu avô [risos]. Andei nisso do rancho, mas só para ensinar as modas, não tinha tempo para andar a cantar. Nem a dançar [risos]. Isso é bom é para ti [risos]. Gostava de te ver lá, a dançar!

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