Thursday, January 29, 2009

Chover no molhado




Chover no molhado é daquelas felizes expressões populares que nos ajudam a converter determinadas ideias numa imagem acessível a todos. Normalmente usamo-las em sentido figurado, para assinalar um acontecimento, uma característica, um comportamento, etc. no campo cartografado do proverbial.


Como é evidente, as situações em que se pode usar são as mais diversas, mas a frase veio-me à ideia a propósito de determinados gastos supéfluos de recursos, em especial os públicos. Por exemplo, a construção de todos aqueles espampanantes estádios de futebol para o Euro 2004, num país já tão futebolizado, que outra coisa foi senão chover no molhado? E quanto se gasta, na nossa televisão pública, com programas em tudo idênticos aos das privadas - como aquelas xaropadas, verdadeiras conversas da treta, a que temos o privilégio de poder assistir de manhã e à tarde?


Fazia falta, num país de magros recursos e grandes carências como o nosso, uma cultura de rigor e eficiência, e não o nosso (também proverbial) laxismo. Não é apenas a pertinência dos gastos que está em causa, é sobretudo a sua redundância. A primeira preocupa-me, a segunda enfurece-me. Nas ‘grandes’ e nas pequenas coisas.


Um caso paradigmático – e que me dá uma especial fúria – é o dos candeeiros de iluminação pública que, muitas vezes, alumiam as nossas ruas e estradas em pleno dia (o espécime que se pode ver acima foi fotografado por volta do meio-dia). Como podem eles ter a pretensão de iluminar no iluminado? Dir-se-ia que em Portugal levamos tão a sério a causa ambientalista que até já queremos encontrar energias alternativas à luz solar!


Desde miúda que esta anomalia me deixa perplexa (sim, isto acontece há muitos anos!), mas enquanto fui jovem e inocente pensei que, mais tarde ou mais cedo, seria corrigida. No entanto, é difícil conceber que na raiz do problema esteja uma deficiência técnica. É mais provável que se trate de uma questão cultural, para mal dos nossos pecados. É o nosso paralisante “não te apoquentes, que eu também não”.


Nestes últimos dias tenho-me deparado com esta situação com mais frequência do que o habitual. Posso dar testemunho de quilómetros (literalmente) de candeeiros a desperdiçar energia. Quem a paga? Quem responde pelos custos ambientais desta ineficiência energética?
Para cúmulo, ontem passei por um jardim cujo sistema de rega automático estava em pleno funcionamento durante uma copiosa chuvada. O jardim era privado, mas já vi cenas semelhantes em rotundas relvadas, por exemplo.


Como disse no início, normalmente usamos a expressão chover no molhado em sentido figurado, mas este (o da rega à chuva) é um caso em que o que queremos descrever corresponde ao significado literal da expressão. Interrogo-me se a realidade, por capricho extremo, não estará a conspirar para nos roubar as palavras – ou talvez procure fazer que tenham mais força ainda, mostrando-nos como a nossa inclinação para a displicência e para o despropósito pode ir tão longe quanto, em contrapartida, vai a nossa imaginação na produção de sapientes ditos e provérbios.

Sunday, January 25, 2009

História da Ladra Muda



Muitas memórias me ocorreram quando inesperadamente ouvi aquela cantiga que começa assim «Havia uma muda que era uma vez contra o casar. Porque era ladra e folgada, não queria dar-se por conta de coisa roubada, gostava mais de roubar.»
Já há largo tempo vinha pensando fazer registo da história da Ladra Muda, e o que ouvi serviu-me de sinal de que era chegado o momento. Da verdade que sei usarei boa medida, ajudada pela fraca imaginação, e, de ditos cantigas e contos que ficaram, as melhores voltas, e o brilho, que o povo à história deu.
Se era ladra é porque roubava, e se era muda, é porque não falava. Vivia entre salteadores, acompanhando-os nas suas patifarias, desfrutando de uma vida vadia e boémia. O seu atrevimento rivalizava com o dos mais afoitos, e a sua beleza não destoaria da das donzelas mais distintas.
As belas e distintas, sobretudo se são mudas, têm sempre muitas contas a prestar, e esta, que buscava a liberdade, resolveu ser ladra, para, enquanto não fosse presa, não ter de se explicar. Assim, vendo-se livre, pôs em cada gesto toda a eloquência que os seus lábios não podiam ter.
Não foram poucos os que tentaram ganhar os seus favores, mas, os que mais se empenhavam eram, quase sempre, os que menos colhiam. Entre esses contam-se muitos dos rapazes mais avisados, filhos das melhores famílias, e até homens casados, que se prendiam pelo feitiço daquela figura misteriosa e altiva, inebriados pela promessa de vertigem e perdição prenunciadas no seu olhar e avalizadas por seus lábios silenciosos. Então, deixavam tudo e juntavam-se ao bando de malfeitores, distinguindo-se nas façanhas criminais enquanto, em vão, suspiravam pelas amorosas. E outros tantos, patifes convictos, parceiros de aventuras da Muda, nela reconheciam a graça e a ternura que sempre lhes haviam sido negadas, mostrando-se dispostos ao arrependimento e, com ela, a experimentar o amor e o bem.
Não era apenas por causa da natureza desassossegada e folgazã da bandida que estas arremetidas saíam frustradas, há que notar a têmpera resistente de que era feita, insubmissa às ordens de qualquer malhador. O que não poucas vezes acontecia era serem alguns incautos assaltados por ela, distinguidos com alguns momentos de licença, dos quais saíam com mais sobressalto do que proveito. Outras vezes, quando algum lhe agradava mais e cerceava menos, recatava-se com ele por bom tempo, em exclusivos e arrebatados amores.
Todos estes sucessos, e muitos outros, passou a vivê-los apenas em pensamento, desconsolada, depois de certo dia casar com um velho matreiro e rico, que a levou à certa. Perdia-se em longas ruminações, deambulando por entre os criados de casa, já sem por eles ser percebida, mais muda do que nunca.
Não encontrava nenhum motivo de alegria na sua nova vida, e até os piores momentos que vivera lhe eram agora saudosos. Mas vinham-lhe à memória, sobretudo, os golpes bem sucedidos, as festas desenfreadas em que todo bando participava, quando até para músicos havia dinheiro. Mas também aquelas em que não havia mais do que vinho e as canções e danças que eles mesmos cantavam e dançavam, às vezes na companhia de trovadores e músicos de ocasião, que encontravam nas mais safadas tavernas.
Era esta, cada vez mais, a sua única companhia. Sucessivamente, trazia à memória o Poeta Incompleto, cujas quadras recordava em momentos escolhidos, o Coruja, um confrade de poucas falas mas muita finura, com quem se entendia muitas vezes sem palavra nem gesto algum, os Profetas, dois irmãos que chefiavam o bando desde sempre, e todos os que cabiam naquele tempo quase parado que era a sua vida.
Recusar-se a seu marido era seu único prazer, o velhaco merecia-o, deu-lhe como destino a prisão que era aquela casa, depois de, por meio de informadores, surpreender o bando, capturar e chantagear a Muda.
Perante a teimosia de sua noiva, já quase em desespero, ocorreu-lhe que se pela opressão não a conseguia vergar, talvez pudesse socorrer-se da folia, a inclinação boémia da caprichosa dama era conhecida, e a sua fortuna, nunca até então celebrada, cobri-la-ia de todas as festas necessárias. Na noite da primeira, perante os mais distintos convidados, logo se percebe marcada transformação, agitados, eram os olhos dela que o diziam. Quando, porém, depois de vazia a casa, lhe assoma onde dormia, é a impotência de sempre que o invade. Observa-a, atento, enquanto ela cerra os olhos, respira lenta. Já fechadas, as pernas mais estreita.
A um grito, acorrem ao interior da casas, em baixo, os guardas do jardim. Como se o esperasse, a Muda ergue-se, nua, salvo o punhal de que não precisa, ele apenas tropeça até às jóias, sobre o móvel, e fica-se, encolhido. Se ainda lhe estende em oferta, desesperado, os adornos esplendorosos, logo os aperta, vencido, enquanto pela última vez a contempla, soberba, levantando os braços e empunhando a única coisa que lhe leva, o vestido.
Uma simples fagulha, plantada e ventilada durante tão distendidos festejos, foi a causa do fogo que, uma vez liberto, nem todos os guardas juntos conseguiriam deter. Ao descer pela varanda, a Muda sente já o calor da liberdade percorrer-lhe o corpo, enquanto mãos confiantes a amparam. É o Coruja, que a puxa para o silêncio da noite.
Trilham caminhos poeirentos, sem descanso nem palavra, lado a lado. Mas já remotos, fugidos, amontes, muda ela e ele pouco dado a conversar, irrompem em ansiado diálogo. Descobre-se traição, gesticula-se morte, grita-se amor.
A um olhar, ambos se calam e esperam, suspensos, até que lábios ardentes se soltam, como peixes sôfregos sobre areia branca e fina.
Pelos lábios expiram, por eles morrem-lhes as falas. Por eles retomam, ávidos, novas línguas intemporais. São eles que dizem fraces, muito suaves, sussopram cabelos, delicosos. E refriam, comprazidos, o sangue fervelhente que os desperta.
E que os excita ainda mais.
Sábeos, cantam loirus seios.
Insuflados, rebentoam peitos mudos.
E, entre frisos prateados, eclodem-lhes frutos raros em salvas de túlipa preta.
Por lábios suspiraram, flamejando, cheios e desnudos.
Libertados, entreabertam, lambebendo , bencarnados, lábidos de poémia bruta.




(De outros sucessos da vida da Ladra Muda tentarei dar boa conta, oportunamente.)

Tuesday, January 20, 2009

Amazing grace - lanterna mágica

Aerosmith Steven Tyler Singing Amazing Grace




Soweto Gospel Choir - Amazing Grace (BEAUTIFUL VERSION)

Saturday, January 17, 2009

Antes da internet

A vida na terra começou muito antes da Internet ser inventada. Uma das coisas que faziam as criaturas que viveram no planeta durante esse estranho período era jogar à bola. Mas havia mais! E nós, que passamos a vida na Rede Mundial Alargada, não podemos deixar de sentir alguma admiração - e mesmo nostalgia – por ser possível, ao que se sabe, viver uma vida inteira sem certos sites, como os de chat, o hi5 e os blogs de gaja (aqueles cor-de-rosinha) - qualquer deles, estou certo, a invenção do século.
Os seres unicelulares não sei, sequer, se já se comiam uns aos outros ou se sobreviviam só graças à fotossíntese, por exemplo. Foram eles que deram início a este longo período pré-internet. Só depois deram sinais de que, afinal, a vida podia ser mais complexa. Começaram a cobiçar os outros, e esse foi o caminho que levou à gastronomia, ao amor e à guerra.
E ao futebol. Isto tudo para dizer que, há umas semanas, dois mil e nove anos depois de Cristo, comprei duas bolas numa loja de antiguidades que merece uma visita, uma voltinha de fim-de-semana em família, talvez, que se chama Sportzone. Uma a sério e outra de borracha, para dar toques dentro de casa.
A net é gira, mas há certos hábitos, como a fotossíntese e jogar à bola, que não se devem perder.

Wednesday, January 14, 2009

Ouvindo conversas, lendo fragmentos, observando sinais


«Novas relações

(…)
Para julgar – com clareza e senso seguro – as pessoas, é necessário vê-las, conhecê-las e observá-las no seu ambiente próprio, no seu meio habitual e íntimo. Quantas vezes – nas praias, no campo ou nas termas -, se representam comédias e farsas de sociedade, de distinção, de boas-maneiras, que apenas são atitudes estudadas, em nada correspondendo à realidade!
Será, pois, necessário – antes de entregarmos a nossa amizade a alguém – colher informações e saber de quem se trata. Uma pessoa verdadeiramente distinta e educada não estabelece relações de amizade, sem prévio estudo e conhecimento. Com estas precauções, poderão evitar-se situações críticas e embaraçosas.»


(Noiva, esposa e mãe, colecção Laura Santos)

Thursday, January 8, 2009

São os horários!

Uma das discussões mais frequentes entre quem tem responsabilidades nas áreas da Cultura, ou entre quem simplesmente se interessa por estes assuntos, é a dos subsídios.
Em que medida devem - se é que devem – os dinheiros públicos pagar os custos das actividades culturais, e quais aquelas a que se deve dar prioridade, são duas das perguntas recorrentes.
Infelizmente, esta discussão não se tem alargado tanto quanto devia no que diz à área do audiovisual, e em especial à RTP. Não digo que não se fale nisso, mas fico com a sensação que nunca nada se aprofunda, que se vive numa indefinição permanente. Quais são as linhas orientadoras, quais os objectivos e os critérios, qual o grau e a natureza da dependência da estação pública face ao poder político são exemplos de questões que não vejo que estejam respondidas de maneira convincente, mas pode ser falha minha. Não é de nenhum unanimismo que se sente falta, mas sim de um consenso mínimo, ou pelo menos de uma discussão tão clara quanto possível sobre a missão da RTP, bem como sobre os ganhos e os custos das alternativas a essa missão e ao modelo que a sustenta.
Enquanto isso não acontece, resta-nos reclamar de algumas coisas e aplaudir outras. E, às vezes, reclamar e aplaudir, como acontece quando bons programas passam a muito más horas. Pego neste exemplo porque ultimamente me tenho arreliado muitas vezes por não estar na disposição de ficar acordado madrugada dentro para ver bons filmes e bons concertos ao fim-de-semana – como o programa ‘Palco’, que amanhã é transmitido à 1:13, ou os filmes, sempre dois seguidos, que ainda há pouco tempo eram transmitidos em horário de padeiro (lá está: parece que já não é assim) , para não falar em documentários e outros programas, mas até falo: hoje é transmitido um documentário sobre Fidel Castro, a começar às 23:26, para dar um exemplo que não é dos piores. E suspeito que a tal falta de definição do papel da estação, de que falava (que também só suspeito que exista), em especial em relação ao 2º canal, tem tudo a ver com estes estranhos horários.
Não me queixo da qualidade dos filmes e dos concertos – pelo contrário. Mas essa qualidade só me deixa mais frustrado, não só por deixar passar a oportunidade de deles usufruir como pelo desperdício de dinheiro do contribuinte que a sua transmissão implica. O que é bom paga-se caro, normalmente.

Saturday, January 3, 2009

Os meus botões


A crise
Muito tem dado que falar a recente crise financeira e económica. Nessas doutas discussões, que são bastas vezes um falatório cheio de floreados sem alicerce firme onde assente o entendimento do povo, tem-se esquecido outro género de crise: a crise de valores. Só quem não quer é que não vê a podridão espiritual que tomou conta das mentalidades, na nossa sociedade, e a falta de alguns esteios morais importantíssimos que a sustentavam. É aqui, neste ponto que tantos procuram ignorar, que está a razão principal da situação que vivemos.
O paganismo impera, apesar dos muitos avisos. Os jovens procuram dinheiro, não trabalho. O vício é louvado, a seriedade nem sabem o que é. Preocupam-se com a fama e não com o bom-nome. O que importa é a diversão e o prazer do corpo, não ter mente e corpo sãos e puros, e o pior é que somos nós, todos nós, que plantamos esses falsos valores no seu coração. A inclinação para o paganismo é muito antiga, e traz sempre maus resultados. Até os trajes com que aparece não são muito diferentes através dos tempos: adoração de falsos deuses, devassidão revestida de muitas formas, como música e danças intoxicantes, o endeusamento do vil metal, etc.
Precisamos de nos libertar desta escravidão que é a ganância. Já pusemos de parte muitas ideologias malignas e de raiz pagã e ateia, como o nazismo e o comunismo. Quando o homem deixar de ter a alma presa ao materialismo, que tem sido rei e senhor neste mundo e é outra forma de paganismo, e se elevar nos valores da compaixão, da solidariedade e da paz, não faltarão soluções para acabar com esta crise.


Concertinas das Carvalhas na Televisão

Decorreu no dia 14 de Dezembro um encontro de tocadores de concertina, que atraiu à pequena aldeia das Carvalhas, freguesia de Romaride, cerca de 50 tocadores, entre os quais se encontravam alguns vindos do estrangeiro. As actuações decorreram tanto no palco montado para o efeito como pelas ruas e recantos da povoação.
A festa decorreu com grande animação desde manhã até à noite, havendo oportunidade de conviver e saborear petiscos regionais, postos à disposição de todos pelos organizadores. O Grupo de Concertinas da Barrenta participou também num programa televisivo da manhã, em directo, na sexta-feira anterior, a convite do canal da TVI.
Estão de parabéns as Carvalhas e toda a região pela realização de mais um evento de grande importância e projecção para a nossa cultura.

(Publicado na edição de 19 de Dezembro de 2008 do Jornal do Vale Interior)