Tuesday, December 9, 2008

Relatos da vida de uma professora

Enquanto se espera que comece o segundo acto da peça ‘Avaliação de Professores’, proponho que desviemos a atenção do palco por uns instantes e que olhemos para o que uns miúdos traquinas vão fazendo lá em baixo, no fosso de orquestra. Sempre ajuda a passar o tempo e, talvez, a focar melhor aquilo que realmente é importante. Digamos que são algumas declarações (feitas a quente) e alguns comportamentos singulares que fui apanhando, ao longo dos sucessivos anos lectivos. Provavelmente todos os professores poderiam preencher um caderninho com episódios destes, se se dessem ao trabalho. Deixo apenas alguns exemplos:

•• Numa turma de 3º ano, a professora (eu) pede aos alunos que transmitam aos pais determinado recado. Uma das alunas é de origem chinesa e, apesar de falar português correctamente, apresenta algumas dificuldades ao nível da semântica, devido ao facto de não falar português em casa. Dizia eu que havia um recado para transmitir aos pais. Eis a sua resposta, aflita:“Aos pais?! Eu não tenho dois pais! Tenho só um pai! E uma mãe!”

•• Na primeira aula de uma turma de primeiro ano, o primeiro aluno a falar, depois de pôr o braço no ar, faz esta pergunta:
“Professora, o que é que é uma pergunta retórica?”
(Juro! Ele era muito curioso e deve ter ouvido aquilo algures.)

•• Um aluno de 1º ano, amoroso mas um pouco instável, entra na aula de rompante e em tronco nu. Trazia a mão na anca, um olhar de ‘quem não era nada com ele’ e a camisola, vermelha, ao ombro. E vinha muito atrasado. De imediato lhe ordenei, com firmeza, que saísse, vestisse a camisola, batesse à porta e entrasse. Depois de aquela criatura magricela sair só tivemos que esperar uns instantes até ouvir bater. Mandei entrar e, para gargalhada geral, vêmo-lo passar, triunfante, e dirigir-se ao seu lugar, com uma camisola azul vestida. Onde a foi buscar e o que fez à outra não faço ideia.

•• No corredor, duas miúdas do 1º ano, abraçadas e sorridentes, dirigem-se a mim nestes termos:
“Nós somos namoradas! Somos gays!”

A propósito da greve, deixem-me só dizer, fiz sim senhor. Mas tive muitas dúvidas. Este processo foi muito mal conduzido por todas as partes. Houve uma verdadeira dramatização de todo o caso (e vamos para o 2º acto). A ministra quis obter poder negocial conquistando a opinião pública. Eu em parte compreendo-a (e ouço muitas críticas por causa disso), atendendo à dificuldade em fazer mudanças profundas no sistema. É que eu ouço muitas bocas dizerem ‘sou a favor da avaliação, mas contra este modelo’, mas vejo alguns olhos, e oxalá eu me engane, dizendo o contrário. De qualquer modo, a ministra insistiu por demasiado tempo com o formato, que é de facto muito pesado. Mas eu defendo uma avaliação que distinga verdadeiramente o desempenho de cada um, e estou preparada para aceitar alguma carga adicional de trabalho que ela acarrete. Felizmente, bem o sei, estou longe de ser caso único.

5 comments:

teresa said...

anabela,
após leitura do seu post, não deixei de sorrir com alguns comportamentos que relata por parte dos seus alunos. Os meus são mais velhos, mas também têm criado algumas situações divertidas que, quando passam pelas aprendizagens, me apresso a corrigir , certificando-me do seu esclarecimento nas cabecinhas adolescentes.
Quanto à avaliação, o problema não me parece encontrar-se em discordarmos dela, qualquer profissonal com maiúscula entende a necessidade de uma avaliação ao longo da carreira. O problema é fundamentar-se a mesma em critérios essencialmente financeiros e não de mérito, darei só 2 exemplos:
1)- sabe que o primeiro organismo a definir as quotas é o ministério das finanças (não o da educação)? O que percebe o ministério das finanças de pedagogia ou de didáctica?
2)- em escolas de 2º,3º ciclo e secundárias, com departamentos de cerca de 20 professores cada, sabe que, de acordo com as quotas, só um ou dois poderão chegar ao Excelente, três ou quatro ao Muito Bom e isso não por que não haja outros igualmente dedicados e competentes, mas porque as quotas o não permitem?
Só para terminar: também não me parece sério avaliar colegas que se conhece há 15 anos e com quem se tem uma ligação de maior ou menor simpatia, aqui o rigor torna-se difícil, por muito correcto que cada um seja. Como toda a vida tenho sido uma professora/estudante em avaliação, ao longo da vida, por diversas faculdades, sinto-me à vontade para apresentar estes argumentos.

Anonymous said...

É caso para dizer "professora sofre!"
concodo consigo, o processo está a descambar e a postura do Sindicato está a ser egocêntrica. Creio que o sr do bigode cada vez pensa mais nele ( como sucessor de Carvalho da Silva na CGTP) do que na luta dos professores. As últimas declaraç~es mais pareciam uma declaração de guerra!

Anonymous said...

Teresa, eu comprendo o que diz. É uma questão complexa. Seria preferível não haver as quotas de que fala, por exemplo. Mas também compreendo quem argumenta quem diz que se não existirem toda a gente (quase) acaba com a mesma avaliação. Não sei. Talvez, a haver quotas, se possa desrespeitá-las quando se justifique, mediante uma avaliação externa, por exemplo. Não sei se é viável (ou até se isso não está já previsto!)

Carlos, estas guerras, como diz, proporcionam sempre oportunidades a quem souber capitalizar com a insatisfação.
Oxalá haja o bom senso necessário para que a guerra, que já se sente, não aumente de intensidade.

E agora... uma coisa um pouco sensível para mim e talvez estranha e desagradável para vocês (ou não, afinal estamos na 'net'): como se fala, no post, de coisas sérias, que depois foram comentadas de boa-fé, não ficaria de bem com a minha consciência se não dissesse que 'Anabela Prata' é um nickname. Pode não parecer relevante, mas no contexto deste blog, onde à 1ª vista pode parecer que os posts 'têm o seu valor facial' (podem ter ou não), é importante, na minha opinião.
De qualquer modo, aqueles episódios com os miúdos aconteceram, de facto (mas sem 'Anabela') e o pensamento de quem escreve estas linhas sobre a avaliação dos proessores corresponde, no essencial, ao da Anabela.
Obrigada, e espero que a parte do 'desagradável' não se confirme.

Anonymous said...

Anabela,
o problema das quotas é que são extremamente limitativas, de acordo com o decreto, se os avaliadores excederem as quotas(imagine que só pode atribuir 1 "Excelente" e que dois professores o merecem?) poderá a comissão de avaliação da escola ou agrupamento ser alvo de processo disciplinar(a parte em que se refere a obrigatoriedade de fundamentar a decisão em acta, sendo a mesma passível de sanção).
Como me dediquei quase a ser "jurista" com tanta legislação nova, pois só assim me sinto documentada para as minhas análises, não posso deixar de ficar céptica e apreensiva...
(sou a mesma do 1º comentário, mas não consegui "entrar" como blogger)

Anonymous said...

Teresa, obrigada (a sério) por querer 'debater' o assunto.
Eu não me sinto, no entanto, muito preparada para emitir opinião.
Não conheço a bem a legislação como parece ser o seu caso.
Apenas me fico por generaliddes.
Foi por isso, de resto, que falei no tema de 'raspão'. Mas talvez pegue no assunto depois, de outra maneira.
As generalidades a que me referia são: o modelo terá (talvez muitos) defeitos, mas tmbém tem virtualidades. E a principal é promover uma avaliação efectiva.
Talvez abra caminho a possíveis ou prováveis injustiças, não sei, mas comecemos por reconhecer que o actual sistema também o faz, ao não reconhecer o mérito de quem faz mais ou melhor(em circunstâncias especiais fá-lo, apenas isso). É importante reconhecer o ponto de partida.
Quanto à sua pergunta: se dois proessores merecem excelente eu acho que devia haver um procedimento que permitisse abrir uma excepção. Talvez pedir uma avaliação externa, se for viável (repito-me). Ou ter a 'entidde avaliadora' que justificar essa excepção 'muito bem', e, se essa excepção fosse muito alargada, no nº de professores ou no tempo (vários anos com essa 'anomalia') haver outra entidade que fosse perceber a justeza, ou falta dela, desses excelentes. E com peso para a avaliação da 'entidade avliadora'.
Assim, se houvesse segurança na avaliação (e não facilitismo, ou mesmo amiguismo) os dois professores poderiam ter excelente (a segurança, já agora, é a possível, porque repare, a Teresa, como professora sabe que há sempre um certo grau de injustiça; e o que é que se faz? Deixa de haver avaliação para os alunos?).
Não sei se isto faz algum sentido, ou se existe, pelo contrário, algum mecanismo parecido.
Sei poucas coisas, e se calhar não devia ter falado no assunto (mas eu queria falar da greve e da excessiva dramatização). Tenho-me mantido um pouco à margem precisamente por achar que existe má vontade de ambos os lados da barricada. Parece-me que um compromisso não era impossível, caso houvesse mais bom senso.