Uma formiga batedora andava a explorar o areal húmido que rodeava uma poça quase seca quando se deparou com um buraco. A forma perfeita da enorme cratera levou-a a pensar tratar-se uma pegada muito recente de um animal que por ali andasse. Subiu a uma erva para avaliar melhor e logo percebeu que tinha sido um lobo o responsável.
As formigas batedoras são escolhidas pela sua capacidade de raciocínio e curiosidade, e esta não era excepção. De imediato se lançou numa grande correria, tentando alcançar o lobo que, com toda a certeza, não andaria longe. Por sorte, avistou-o pouco depois junto a uns arbustos. Parecia estar muito concentrado, observando qualquer coisa a boa distância. Tal como suspeitara, tratava-se de um velho conhecido seu. Na verdade, conhecer outros animais - e assim aprender coisas novas, contactar com diferentes maneiras de pensar ou simplesmente conviver - era muito do agrado da formiga. O preço a pagar era ser olhada com certo desdém pelas suas irmãs. Mas esta formiga sabia bem que as tarefas extenuantes e monótonas que as outras tinham de fazer as deixavamm incapazes de, ao menos, vislumbrar quanto perdem por nunca se desviarem do carreiro.
Entretanto, a formiga aproveitou a paragem do lobo para se aproximar. Começara já a chama-lo quando este partiu de cabeça baixa, num trote silencioso. A formiga bem correu, gritando «lobo, amigo!», mas as suas pequenas patas não lhe permitiriam alcançar um ouriço coxo, e a sua vozinha era quase tão fraca quanto o som de um pingo de chuva.
Não lhe restou se não subir arbusto acima para ver no que aquilo ia dar. Oh, que belo animal era o lobo! E que astuto e audaz! Primeiro aproximou-se silenciosamente da sua presa. Depois, possante, derrubou-a de um salto. Quase não precisou de correr.
A formiga deixou-se ficar numa folha, a observar. O lobo comeu tranquilamente, regressando depois pelo mesmo caminho. Quando já estava suficientemente perto, a formiga surpreendeu-o com este cumprimento:
- Olha quem é ele! Vê lá se soubeste trazer alguma coisa para os amigos…
- Não avisaste! – respondeu o lobo com um sorriso.
- Eu chamei-te, tu é que não ouviste. E eu que me contentava com uma lasquinha qualquer…
- Ah sim? – perguntou o lobo. – Não seja por isso! Tenho aqui uma entre os dentes. Tiras-ma e é toda tua. Só a aflição que me está a dar!
- Pois, isso é chato, é.
A formiga teve pena do lobo, um animal nobre e valente que se via agora atormentado por um pedacinho de carne do bicho que matara. Não deixou de se perguntar: «E se ele aproveita para me devorar também?» Mas logo concluiu: «Não o fará. Os corajosos não atacam os fracos dessa maneira. Só os cobardes o fazem». Sem saber muito bem o que fazer, e depois de um solêncio embaraçoso, acabou por lhe dizer:
- Eh, eh, o que tu queres sei eu!
- Oh, achas? Estás a brincar, não?
- Claro!
- Então vá – disse o lobo, abrindo a enorme boca junto à folha onde a formiga ainda estava.
Foi então a vez de a formiga mostrar a sua agilidade, saltando para a língua do lobo. Sentindo-a a fazer umas levíssimas cócegas, o lobo deu por si a pensar: «É tão franzina! Como pode ela achar que eu tiraria o mínimo proveito das suas poucas carnes? Uma sobremesa, talvez…»
Ainda um pouco perturbada com o que sugerira, a formiga avançava sobre aquela superfície movediça enquanto ia dizendo:
- Não, é que às vezes podias distrair-te… é só isso.
(Continua.)